Quando Ramayana Rodrigues, 27, estava com apenas quatro meses de gestação, sua bolsa amniótica estourou. O susto para ela, que morava em Barra do Bugres, interior de Mato Grosso, foi grande quando o quadro de ‘bolsa rota’ se confirmou, com 19 semanas de gravidez, início do quinto mês. Ela veio de ‘mala e cuia’ para Cuiabá, ter uma ‘maternidade assistida’ no Hospital Santa Rosa, onde está até hoje e passou seu primeiro dia das mães – junto a Miguel, que tem hoje 11 meses de vida.
“Para muitos médicos, minha gravidez era considerada inviável. Alguns recomendaram a interrupção da mesma, pois o risco de infecções que poderiam me levar a óbito era muito alto. Nosso estado era crítico. Orei muito e pesquisei na internet até descobrir que existiam chances para nós. Quando soube de um caso similar no Hospital Santa Rosa, na Capital, fiz as malas em Barra do Bugres, onde moro, e vim correndo", lembra a mãe de primeira viagem.
"Manter uma gestação tendo um bebê sem líquido amniótico foi o principal desafio. Isto, porque ele tem um papel importante para a formação e amadurecimento do pulmão – que é como uma esponja que precisa do líquido para crescer e que quando o bebê nasce, seca. Quando rompeu a bolsa, ela não estava grávida nem de cinco meses", explica a pediatra neonatologista Paula Gattass Bumlai, gestora médica da UTI Neonatal do Hospital Santa Rosa.
Ramayana ficou internada por sete semanas antes do parto, que durou dois dias e meio, com 50 minutos dentro do centro cirúrgico e mais 73 dias na UTI neonatal. Seu filho, Miguel, nasceu com 27 semanas, 35 centímetros e 1.070 gramas. O normal seria nascer com 40 semanas, 50 centímetros e 2.500 gramas.
Do parto, o bebê foi direto para a UTI. Ali, sua mão só conseguira tocá-lo com a oponta dos dedos, enquanto ele dormia na incubadora e respirava por meio de aparelhos. "Entrar em uma UTI foi muito impactante. Fiquei assustada. Nunca vou me esquecer do cheiro de álcool – de um ambiente estéril – e do apito das máquinas. Até hoje me pego escutando. Mas, ao mesmo tempo, me passava confiança e esperança. Passei a viver uma vida na UTI como se estivesse em casa. Inclusive, ordenhando o leite a cada três horas, acordando até de madrugada, como se ele estivesse comigo. Tocando nele, a princípio, apenas com as pontas dos dedos, por uma hora, durante as visitas. Ele é meu 'milagrinho'. Por ele, reorganizei minha rotina em uma nova cidade e a cada dia que passava era uma batalha vencida", comenta a mãe.
No último domingo, 14, Ramayana passou seu primeiro dia das mães com o filho. "Passa um filme na cabeça. Estou muito emotiva. No ano passado, nesta mesma data, estava internada lutando por nós dois. Depois de tudo que passei, demora para cair a ficha que vou passar meu primeiro "Dia das Mães" com ele. É maravilhoso. Somos guerreiros. Me sinto mais do que mãe. Ele é uma benção. Hoje, Miguel é bem danado e curioso. Já engatinha e bate palmas. Superou todas as expectativas".
De acordo com a assessoria do Hospital Santa Rosa, os tratamentos com bebês prematuros têm evoluído muito. Em 1990, apenas 60% dos bebês sobreviviam. Este número passou para 95% atualmente, segundo a pesquisa Born Too Soon da Organização Mundial da Saúde (OMS) com base em dados de 184 países. Vale lembrar que bebês prematuros são aqueles que nascem antes de completar 37 semanas de gravidez.
Os prematuros extremos, por sua vez, são aqueles que nascem entre a 23ª e a 28ª semana, como Miguel. Nestes casos, 90% dos bebês morrem nos primeiros dez dias de vida. "Os cuidados com prematuros evoluíram muito. Ainda assim, abaixo de 30 semanas, a chance de mortalidade e de sequelas ainda é alta. Casos como o do Miguel são isolados", ressalta Paula Gattass.
Segundo a médica, os prematuros precisam de cuidados especiais por conta da imaturidade de seus órgãos, o que os deixa mais suscetíveis a doenças cardíacas, neurológicas e pulmonares. "Miguel, por exemplo, precisou usar oxigênio, ter o acompanhamento de um fonoaudiólogo para aprender a mamar, fazer uso de medicamentos para o amadurecimento do pulmão, entre tantos outros cuidados", conta.
O relatório "Prematuridade e suas Possíveis Causas", apoiado pela Unicef, mostra que o Brasil é o 10º país do mundo onde mais nascem prematuros. Além disso, 11,7% dos partos do país são de crianças prematuras, ou seja, a cada 100 crianças, cerca de 11 são prematuras.
"Quanto maior ou menor a idade da mãe, os extremos de idade materno, maiores as chances de prematuridade. Gestações gemelares também apresentam uma pré-disposição. Infecções durante a gravidez, problemas ginecológicos, alterações no organismo são outros fatores. Mas, a maioria pode ser prevenido com acompanhamento médico. Por isso, a importância em fazer um pré-natal desde cedo, estar bem informado e com as vacinas em dia – seguindo sempre as recomendações médicas. Escolher antecipadamente um pediatra neonatologista para estar presente na hora do parto é uma segurança a mais que as grávidas também podem ter", pontua Bumlai.
No Hospital Santa Rosa, onde Miguel e sua mãe estão, a UTI Neonatal é de alta complexidade, formada por dez leitos completos neonatais, incubadoras de última geração, respiradores/ventiladores mecânicos da mais alta tecnologia – capazes de atender bebês de até 300 gramas –, equipamentos de LED de alta potência para o tratamento de icterícia e serviços de exames à beira leito.
Além disso, existe uma equipe multidisciplinar que atua 24 horas na UTI Neonatal, com médicos pediatras neonatologistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, farmacêuticos, nutricionistas, entre outros profissionais, como uma equipe de cardiologia e de cirurgia infantil à disposição. O Hospital é pioneiro na região Centro-Oeste na conquista do selo da Acreditação Canadense, nível Diamond, a instituição também é certificada em Excelência, Nível III, pela Organização Nacional de Acreditação (ONA).
Os bebês prematuros, após o nascimento, passam a ser monitorados pela ‘idade corrigida’. Miguel, por exemplo, deveria ter nascido somente três meses depois. Hoje, estaria com cerca de oito meses de acordo com a idade corrigida, ainda que tenha 11 meses. Este termo é usado para interpretar o amadurecimento neurológico do bebê e estimar parâmetros de desenvolvimento da criança.
"Após a alta hospitalar, uma vez por mês, durante um ano, os bebês também passam por consultas de puericultura. Isto, para o acompanhamento do crescimento, desenvolvimento, bem como para orientação e aplicação de vacinação especial, entre outros", finaliza a pediatra neonatologista.
Fonte: Olhar Direto (notícia original publicada em 15/05/17)
(Fotos: Arquivo pessoal)