Quando a gravidez completou 35 semanas, Vanessa Silveira, 37, foi internada no hospital da Unimed, em Joinville para dar à luz Miguel Silveira Hess, que viera ao mundo prematuro em 8 de janeiro a partir de uma cesárea. Com síndromes raras diagnosticadas ainda no pré-natal, denominadas hérnia umbilical e Apple Peel (leia mais abaixo), na qual o intestino forma-se para fora do abdômen, o bebê teve de ser operado por quatro vezes — uma na cidade do Norte do Estado e três em Curitiba.
A família só voltou para casa quase quatro meses após o nascimento. A analista de sistemas teria de retornar ao trabalho devido ao fim da licença-maternidade nesta semana não fosse uma decisão liminar inédita em Santa Catarina concedida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4), que na última sexta-feira ampliou o benefício trabalhista pelo mesmo período em que o recém-nascido ficou hospitalizado.
Agora em casa com o filho se recuperando, Vanessa finalmente aproveita a nova rotina. Também foca no estreitamento do laço afetivo e na inserção familiar da criança, que conta terem sido prejudicados com a internação prolongada em hospital.
— A maior parte do tempo que o Miguel ficou no hospital foi na UTI [unidade de tratamento intensivo]. Ele ia da incubadora para a caminha, era entubado e sedado, então eu pegava pouco ele no colo. No começo em casa foi difícil, porque ele estava acostumado àquele clima do hospital. Chorava bastante e não queria mamar, mas agora nos últimos 10 dias ele está super bem, mamando e se adaptando à casa — diz, aliviada.
No começo de abril, faltando um mês para os 120 dias de licença-maternidade concedidos chegarem ao fim, a mãe tentou conversar diretamente com a empresa para estender o direito sem a necessidade de uma ação judicial. Além da recuperação de Miguel, Vanessa mirava a própria, já que desenvolveu crise de pânico devido ao período pós-parto vivido no hospital. A empregadora TOTVS, por sua vez, voltou a responsabilidade do pagamento do benefício ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A empresa de tecnologia aumentou em somente 15 dias a licença, focando a ampliação no aleitamento de Miguel.
Vanessa não se conformou, principalmente depois que encontrou na internet um caso semelhante de uma mulher de Brasília que conseguiu mais tempo para ficar em casa com o filho prematuro recém-nascido. A servidora pública da Fundação Nacional de Saúde, Maria Luíza Fernandes Araújo, teve 84 dias adicionais de salário-maternidade por conta do período em que Matheus Araújo permaneceu na UTI por complicações pós-parto. Vanessa, então, quis vitória semelhante. Tornou-se a segunda mulher do país a conquistar a extensão do benefício em razão da recuperação da criança que nasceu antecipadamente e, nesse sentido, poderá voltar ao trabalho somente em agosto.
Manutenção dos direitos da mãe e da criança
De olho na jurisprudência e também na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) número 99, de 2015, que legisla sobre o mesmo assunto, a advogada Ana Paula Nunes Chaves decidiu amparar judicialmente a mãe de Joinville quando foi acionada. A especialista comemora os 106 dias adicionais que Vanessa terá junto à Miguel em casa por acreditar que a maternidade e o trabalho são caminhos que se cruzam constantemente, principalmente em casos de bebês prematuros.
— O desenvolvimento da criança não houve dentro da mãe por completo. E, naquele período de internação, os cuidados limitaram-se aos dos médicos. Quando a mãe finalmente pôde cuidar diretamente do filho, com aleitamento e acolhimento, isso foi impedido. Esse período é para que a criança possa desenvolver-se ao lado da mãe, com uma se acostumando à outra — defende, e acrescenta que a decisão abre precedente para que outras mães tenham o mesmo direito garantido.
O juiz federal responsável pela concessão da liminar que antecipa os efeitos da sentença judicial, Marcos Hideo Hamasaki, teve entendimento similar ao de Ana Paula. Na decisão, contudo, ele foca no direito da criança ao convívio com a mãe nos primeiros meses de vida.
"Uma vez constatado que, para o adequado desenvolvimento da criança em seus primeiros meses de idade, faz-se mister [necessária] a convivência em tempo integral com a mãe (e familiares), não há dúvida que as mães devem contar com este período (120 dias) de benefício a partir do momento em que passem a conviver juntamente, isto é, para o caso presente, a partir da alta hospitalar", escreveu.
Além da legislação vigente, na argumentação o magistrado também apoiou-se em outra PEC em tramitação no Congresso Nacional. O texto nº 58/A, de 2011, tem por objetivo "estender a licença maternidade à quantia de dias que o recém-nascido permanecer internado, em caso de nascimento prematuro". A matéria teve parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.
Apesar de ter o pagamento do benefício trabalhista determinado pelo TRF4, o INSS em SC informou que ainda não foi notificado acerca da liminar. A Previdência Social também informou que, assim que for comunicada, "cumprirá a determinação da Justiça e submeterá o caso à análise da Procuradoria Federal Especializada".
Pela assessoria de imprensa, a TOTVS esclarece que "acatará integralmente à decisão, pois jamais questionou que os cuidados ao recém-nascido não necessitem de toda a atenção da Vanessa", apesar de ter sido excluída do processo como ré. A empresa também garante que "sempre se colocou à disposição e continuará prestando toda a assistência necessária à mãe e ao filho, desejando que os dois não só se recuperem, mas que possam desfrutar deste período tão importante juntos e com a maior tranquilidade possível".
A LICENÇA-MATERNIDADE NA LEI BRASILEIRA
— O afastamento varia de 120 a 180 dias;
— Em caso de parto antecipado, a mulher terá direito aos 120 dias previstos na lei;
— Empregadas de empresas integrantes do Programa Empresa Cidadã têm direito a 180 dias;
— Não oferece prejuízo ao salário, nem ao emprego;
— O benefício começa a ser contado 28 dias antes do parto e termina 91 dias depois, podendo ser prorrogado;
— O salário-maternidade para a segurada empregada consiste numa renda mensal igual à sua remuneração integral;
— Além das PECs, o projeto de lei 2.932/2008 tramita na Câmara dos Deputados e prevê mais 60 dias para parto múltiplo, prematuro ou de criança portadora de doença ou malformação grave.
Fonte: Guia Trabalhista
A SÍNDROME DE MIGUEL
Também conhecida por hérnia umbilical, a onfalocele é um defeito congênito. Por essa má-formação, os órgãos ficam para fora do corpo em uma "bolsa" transparente. É decorrente de um problema no desenvolvimento dos músculos abdominais, que geralmente acontece entre a 8ª e a 12ª semana de gestação. A cirurgia é o tratamento mais indicado. Quando branda, a síndrome é resolvida após o nascimento. Nos casos mais graves, a intervenção cirúrgica complica-se, já que a fina membrana que protege os órgãos pode romper e causas infecções — muitas vezes fatais.
Já a atresia (estreitamento) ou obstrução completa do intestino pode ocorrer nas porções delgada ou grossa em uma frequência que varia entre um em cada 400 e um em cada 5 mil nascimentos. O estreitamento congênito do intestino delgado é muito raro. O recém-nascido portador apresenta sinais e sintomas característicos: vômitos, distensão abdominal, ausência de evacuação e, frequentemente, icterícia (amarelão). O diagnóstico pode ser confirmado por raio-x simples de abdômen. O tipo apple-peel apresenta características especiais: o intestino pode ser mais curto, por exemplo. A correção cirúrgica é necessária na maioria dos casos.
Fonte: Pesquisador em neonatologia Renato Procianoy e cirurgião pediátrico Paulo Roberto Boechat
Fonte da notícia: Diário Catarinense (notícia original publicada em 31/05/17)
(Fotos: Maykon Lammerhirt / Agencia RBS)
Esse direito é uma das principais lutas da ONG Prematuridade.com e esperamos que em um futuro próximo todas as mamães de prematuros possam ter esse benefício sem precisar entrar na justiça.
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