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22.09.2019

Quase ninguém se preocupa com o sofrimento emocional de um pai de prematuro

Nesse mês de setembro, em que convidamos a sociedade a pensar sobre a saúde psíquica e emocional, não tem como não discutir sobre a alta incidência de depressão pós-parto, transtorno de ansiedade, pânico e outros transtornos emocionais em pais de UTI Neonatal e Pediátrica. Afinal de contas, o estresse emocional vivido por nós, pais de prematuros ou crianças de alto risco, é uma vivência caracterizada por diferentes emoções, sentimentos e expectativas, que se modificam dia após dia, conforme a evolução clínica de nossos bebês, nos fragilizando emocionalmente.

Apesar de a nossa sociedade ainda necessitar de muita compreensão e diálogo sobre todas as transformações emocionais que ocorrem durante uma gestação e puerpério, sabemos que as mulheres, diante de um maior número de pesquisas sobre as características emocionais do famoso período baby blues e da depressão pós parto, tendem a ser mais acolhidas e acompanhadas.

Frequentemente, as gestantes de alto risco que ficam internadas recebem apoio psicológico para iniciar o processo de elaboração e compreensão sobre o que significa não vivenciar uma gestação ‘normal’, ter uma gestação muito diferente da que foi idealizada, ter um filho prematuro que ficará meses em uma UTI Neonatal, ou que não sobreviverá.

E o meu marido? E o pai de uma bebê que nasceria prematura extrema? E o homem que seria pai pela primeira vez? E o homem que seria pai pela segunda vez de um bebê prematuro? E o homem que precisava revezar as suas horas entre casa, hospital e trabalho? E o futuro pai que chorava sozinho no carro, no banheiro para que ninguém visse o seu extremo sofrimento? E o marido que tinha que colocar um sorriso na face quando ia ao meu encontro no hospital, para não passar ainda mais preocupação para mim? E o homem que precisa continuar com um bom desempenho no trabalho, pois as futuras despesas dependeriam de seu salário, já que ainda não temos uma licença maternidade estendida e obrigatória para mães de prematuros e bebês de risco? E o ser humano-homem que não dialogava sobre suas sensações difíceis/doloridas com os familiares, por não querer se demonstrar "fraco"?

Quem, portanto, acolhe esse homem, marido e futuro pai? Quem dialoga com ele sobre as mudanças sociais, afetivas, espirituais e até mesmo físicas que ele também está vivenciando? Diante da minha experiência pessoal dupla com a prematuridade, a minha resposta para essas perguntas supracitadas é que quase ninguém e, em vários momentos, ninguém se preocupa com o sofrimento emocional de um pai de prematuro extremo ou bebê de risco.

Alguns embasamentos sociais, científicos e técnicos nos ajudam a compreender tal realidade. Sociais... não precisamos de muito falatório, não é mesmo? Vivemos em uma sociedade machista, com valores que giram em torno da superioridade masculina e que, ainda, “desmerece” ou “violenta” o feminino. Científicos... existem poucas pesquisas que abordam o sofrimento psíquico masculino após o nascimento de um filho, por exemplo, a depressão masculina. Técnicos... as equipes interdisciplinares nas maternidades concentram as suas ações terapêuticas na gestante e no bebê. O pai, frequentemente, apenas recebe as noticiais e os relatos técnicos sobre a saúde de sua mulher e de seu filho.

Meu marido e pai de dois prematuros, teve crises de ansiedade e depressão pós nascimento de minha primeira filha e crises de ansiedade, desde o início de minha segunda gestação de risco. O seu rendimento no trabalho foi muito alterado, e ele vivenciou, inclusive, uma demissão quando nossa primeira filha ainda estava internada na UTI Neonatal.

Como todos acham que é "normal" e "esperado", por exemplo, uma tristeza, ansiedade e apatia em pais de UTI Neonatal e que passarão por uma longa permanência no hospital, passa-se despercebido o sofrimento masculino. E afirmo sem nenhuma culpa que chegava em casa , após ter passado em média 15 horas na UTI Neonatal, tomava os meus remédios, chorava um pouco, tirava o leite com a máquina e não tinha nenhuma condição para acolher mais nada e ninguém, nem mesmo o meu marido. E com o nascimento do Lucca, chegava em casa da UTI Neonatal e ainda tinha a Maitê Maria, com 3 anos de idade e que necessitava de toda a minha atenção.

Porém, mesmo diante de todo esse contexto, quem identificou o primeiro quadro de sofrimento psíquico em meu marido, fui eu mesma, diante de uma crise extrema de ansiedade em uma das madrugadas em nossa casa. Os sinais eram dores fortes no peito, batimentos cardíacos acelerados, dificuldade para respirar, pensamentos negativos, um desespero e uma tristeza avassaladora. Sinais que podiam ser confundidos com cardíacos, mas, talvez, por ser da área da saúde, sabia que estava tendo uma crise de ansiedade e sinais de uma depressão pós o parto de nossa primeira filha. Em plena madrugada entrei em contato com a equipe e pedi ajuda. No entanto, se ele tivesse sido acompanhado desde o inicio de seu sofrimento, assim como acontece com muitas mulheres em situação de risco, poderíamos ter evitado muitas ocorrências.

Portanto, esse texto com os meus relatos tem como objetivo majoritário alertar a sociedade, as famílias, as mulheres e as equipes de saúde sobre o quanto os homens também precisam ser acolhidos e acompanhados em sua totalidade. Homens também passam por transformações e alterações emocionais diante de uma gestação e do nascimento de um filho, especialmente os que acompanham uma gestação de alto risco e uma longa permanência em UTI Neonatal. Homens também choram, sofrem, angustiam e podem, sim, ter um quadro de depressão após o nascimento de seus filhos e que pode perdurar por um longo período. Homens e mulheres são seres humanos, que, mesmo diante de suas diferenças, também possuem suas marcas e dores afetivas. Marcas e dores que deveriam ser acompanhadas e acolhidas acima de qualquer valor ou norma social ainda presente em nosso cotidiano e em nossas relações.

por Teresa Ruas, para Revista Crescer.

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