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22.06.2023

‘Nunca me senti tão impotente e vulnerável’, diz mãe de bebê prematuro internado em UTI neonatal

Marcela Franceschet Vieira, 38 anos, viu seu sonho de estar grávida ser destruído depois do nascimento antes do tempo do filho e revela onde conseguiu forças para estar ao lado do primogênito.

Marcela Franceschet Vieira, 38 anos, sempre levou uma vida inteiramente planejada. Ela e o marido, Fernando, gostam de dizer que são um casal “mais razão do que emoção”. O planejamento era fácil, no papel: eles se casariam, viveriam a vida a dois ao máximo, viajariam para lugares inóspitos, fariam mochilões, correriam, visto que os dois são esportistas, e depois de comprar e pagar o apartamento dos sonhos, eles pensariam em ter filhos.

Tudo deu certo, até porque, eles só planejavam a próxima etapa do objetivo quando a anterior já havia sido realizada. Marcela engravidou depois de um tempo de casada e com o apartamento mobiliado. Porém, a vida quis mostrar que não dá para programar tudo nos mínimos detalhes sem algumas surpresas no meio do caminho.

Theo, o bebê de Marcela, nasceu prematuro de cinco meses e precisou ficar mais de 75 dias na incubadora lutando pela própria vida. Em entrevista ao GLOBO, ela afirma como foi abrir mão do maior sonho da vida dela de ser gestante, do arrependimento de não ter feito um chá de bebê, ou ter tirado fotos durante a gravidez — ela tem menos de 15 imagens em seu celular.

Mas mais do que isso, ela conta como as mães de UTI Neonatal foram essenciais para a recuperação e força nos dias mais difíceis de internação do filho.

— Nunca me senti tão impotente e vulnerável. Para ser mãe de prematuro é preciso muita fé. E haja fé. Carreguei ele por quase seis meses na minha barriga e agora ele estava dentro de uma máquina lutando para viver e eu só podia senti-lo pelas pontas dos meus dedos esterilizados em álcool gel e conversar por meio de um vidro com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Não podia e nem conseguia fazer nada por ele — diz.

Confira seu relato a seguir:

Meu sonho de ser mãe começou quando tinha 26 anos. Fui para os Estados Unidos estudar e ser babá. Cheguei de paraquedas no Texas com quatro crianças — a mais nova tinha três meses e a mais velha 12 anos — sem nem saber como trocava uma fralda e com pouco fluência no inglês. Em menos de dois meses aprendi muita coisa e comecei a gostar disso. Até então nunca tinha passado por uma experiência parecida.

Depois de três anos, conheci o Fernando, meu marido, e ele já tinha uma filha, que hoje tem 20 anos. Ele sempre teve um relacionamento maravilhoso com a filha, apaixonado por ela. Além de ser um ótimo pai. Em dezembro de 2015 nos casamos e estamos juntos há sete.

Naquele momento não pensávamos em ter filhos porque o nosso propósito era curtir nossa nova vida juntos, viajar ao máximo, ter o nosso apartamento e depois ter um bebê. Deu tudo muito certo. Compramos o nosso apartamento, viajamos bastante e, então, começamos a pensar no nosso filho.

Hoje, tenho 38 anos e ele 44, está tudo correndo muito bem nas nossas vidas e nós dois somos muito pés no chão. Sempre planejamos os nossos próximos passos muito bem organizado. Só começamos a próxima etapa quando a outra é totalmente finalizada e concretizada. Razão sempre acima da emoção.

Começamos a tentar um bebê oficialmente em abril de 2022 e eu tenho certeza de que aconteceu no Dia dos Namorados. Fomos em um show do Mauricio Manieri, sim, bem clichê, eu sei, mas foi maravilhoso. E, na primeira semana de julho, fui viajar a trabalho e minha menstruação não veio. Fiz testes durante todo o fim de semana, mas deram negativo. Fiquei frustrada e até achei que poderia ser algo com a minha idade ou pelo fato de usar anticoncepcional desde os 15 anos, mas algo dentro de mim sabia que eu estava grávida.

O resultado verdadeiro veio alguns dias depois. A gestação foi perfeita, tive enjoo apenas uma vez. O sonho que tinha desde pequena de gestar e aproveitar os nove meses estava começando! O corpo da grávida era algo que me encantava. Eu estava me sentindo muito feliz e linda. Mas durou muito pouco.

Eu trabalho com tecnologia, na área comercial e em cibersegurança, com metas insanas e reuniões a todo momento. Eu não parei nem um segundo durante a gestação. Já tinha avisado ao meu chefe que estava grávida e que eu trabalharia até dezembro, depois eu seguiria a profissão mãe. Estava exausta fisicamente e mentalmente, e dar uma pausa no mundo corporativo para me dedicar 100% à maternidade me faria bem.

Já tinha marcado o chá do bebê e as fotos do ensaio com barrigão para janeiro deste ano, pois o Theo só nasceria em março. Me planejei para aproveitar a gestação em 2023. Devo ter apenas 15 fotos do período que era o meu maior sonho.

Em 10 de dezembro, entrando no sexto mês, antes de dormir, fui ao banheiro e notei que saiu um pouco de sangue na minha urina. Na manhã seguinte mais sangue. Decidi ir para o Hospital e Maternidade Santa Joana. Fiz o exame de toque e estava com dois centímetros de dilatação. Porém, até então achava que os médicos me dariam um remédio e voltaria para casa, como havia acontecido no primeiro mês de gestação – eu tive um descolamento do saco gestacional, mas com duas semanas de repouso a gestação seguiu tranquilamente.

A médica que me examinou acabou com todas as minhas expectativas e disse que eu seria internada e que só sairia de lá quando o meu bebê nascesse. A partir daquele momento o meu mundo virou de cabeça para baixo. Começou algo que eu nunca imaginei passar em toda a minha vida.

No mesmo dia a dilatação passou para cinco centímetros. Comecei a ter contrações de meia em meia hora. Eram uns choques bem ritmados. Tomei vários remédios para inibir a dilatação e comecei a tomar outros medicamentos para ajudar a formar os órgãos do bebê, como o pulmão e o coração. Precisei tomar várias injeções e meus braços ficaram roxos de tanta veia que havia sido perfurada.

Nos dias seguintes sangrei muito. As enfermeiras trocavam os lençóis a cada hora porque estava perdendo muito sangue. E não conseguia mais me levantar. Fiquei dois dias precisando de ajuda para tomar banho e até mesmo para fazer xixi, e a dilatação só aumentando.

Fui teletransportada para um futuro que ainda estava em construção. Não era para eu ser mãe em 2022. Queria curtir o crescimento da minha barriga sem pressa. Nós vamos adiando em razão de outras prioridades que até então eram mais urgentes, no meu caso o trabalho, mas aí é tarde demais. Conversava com o meu bebê dentro da minha barriga, implorando para ele não nascer em 2022, porque o ano estava caótico. As enfermeiras falavam: um dia na barriga da mãe equivale a menos quatro dias na UTI Neonatal.

No dia 14, à noite, as contrações começaram novamente. É uma dor que não tem posição, pois é como se estivesse tomando vários choques, uma mais longa, depois parava e voltava tudo de novo. O anestesista chegou a me dar uma injeção e eu consegui dormir por 40 minutos. Depois retornou. Eram umas sete da manhã e já estava com 10 centímetros de dilatação. Não dava mais para esperar. O medo era tão grande, pois eu sabia que ele nasceria e iria direto para a UTI Neonatal. Ele nasceu no dia 15 de dezembro de 2022, muito antes do planejado, às 11h12 de uma quinta-feira com o tempo ensolarado e o céu azul.

Acho que desde o dia 1, que a gente descobre que estamos grávidas, deveria ter uma conversa franca e séria sobre o que estamos prestes a receber. O meu antigo médico era muito básico: acompanhava os exames e verificava se estava tudo bem. Caso estivesse, me mandava embora para casa e tudo certo, sem nenhum diálogo. Você conhece esse mundo de mães da UTI Neonatal? Ser mãe de prematuro? Nunca passou pela minha cabeça que meu filho nasceria e iria direto para uma incubadora.

Theo nasceu de parto normal e pesando 1,120kg. Foi tão incrível, tão rápido e muito gentil. A médica avisou que cortaria o cordão umbilical, mostraria para nós e depois o levaria direto para a incubadora porque era um prematuro extremo. Não existiu aquele sonho de novela, de segurar o meu bebê, ver o rostinho dele, sentir o cheiro e tirar foto. Absolutamente nada, só um vazio.

Voltei da sala de parto, almocei e a minha ficha começou a cair: Theo não estava mais dentro de mim, não o sentia se mexer ou chutar, mas ele também não estava no quarto e nem no berço. Cadê o meu bebê? — eu me perguntava o tempo inteiro.

Consegui descer para vê-lo no fim da tarde e a gente não sabe o que é uma UTI Neonatal até estar nela. Quando vi meu filho na incubadora, eu precisei até de uma cadeira para sentar. Fiquei em estado de choque. Era um ser tão pequeno e frágil. Ele tinha um tubo no nariz, na boca e os olhos estavam fechados. Era muita coisa para assimilar. Você olha pela incubadora e só pensa uma coisa: que ele sobreviva.

Nunca me senti tão impotente e vulnerável. Para ser mãe de prematuro é preciso muita fé. E haja fé. Carreguei ele por seis meses na minha barriga e agora ele estava dentro de uma máquina lutando para viver e eu só podia senti-lo pelas pontas dos meus dedos esterilizados em álcool gel e conversar por meio de um vidro com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Não podia e nem conseguia fazer nada por ele.

Depois de alguns dias, tive alta e fui para casa, mas meu bebê não veio comigo. Como que faz? Não queria ver ninguém em lugar nenhum. Não queria contar a história para um vizinho ou conhecido. Eu não conseguia me conectar com mais ninguém. Era praticamente um zumbi, só chorava. Só queria assistir televisão porque era o único modo de não ouvir os meus próprios pensamentos: um silêncio ensurdecedor. As pessoas falavam comigo e eu não conseguia absorver nenhuma informação. Mas eu também precisava estar bem para produzir o leite que alimentaria o Theo por meio da sonda.

É muito importante neste momento contar com apoio além da parte clínica dos médicos e enfermeiros. Nosso coração está dentro daquela incubadora e é um momento que a mãe se sente tão solitária porque ninguém entende a dor de ser mãe de prematuro. Mas tive também o lado humano que me ajudou: conheci outras mães de UTI que estavam na mesma angústia. E isso foi muito bom. Foram nessas conversas de lactário, no restaurante, trocando histórias e experiências que nossos fardos ficaram mais leves.

Somos mulheres corajosas, determinadas e com uma força absurda. Mãe de prematuro também tem rotina. UTI-casa-UTI de segunda a segunda. Para mim foram 75 dias ininterruptos e sem descanso. E como é possível descansar com o meu bebê naquele estado?

Nunca senti tanta dor na minha vida, mas também nunca havia sentido a maior alegria. Meu filho se tornou a minha motivação diária. Eu chegava ao hospital e corria para lavar as mãos para poder tocá-lo e ver seu crescimento e progresso. Não tinha felicidade que superasse.

Hoje posso dizer que tudo é diferente. O rostinho já tem formato, eu e o Fernando já temos uma enorme conexão com ele. As bochechas e o queixo são parecidos comigo, e é tão branquelo quanto eu. Meu marido, que inclusive é um paizão, muito companheiro e divide todas as tarefas comigo, sempre brinca que eu fiz o bebê sozinha. O Theo saiu da maternidade já mamando no peito e com a mamadeira como complemento. Existe amor e é incondicional. Ele ouve a minha voz, já entende e dá risada. Com certeza vai ter a melhor mãe que ele pode imaginar.

Se eu tenho algum arrependimento é ter confiado tanto no tempo. Eu falava: são nove meses, sou uma pessoa saudável, daqui a pouco eu aproveito, deixa eu fazer o que eu tenho de importante agora e depois tiro foto e faço chá de bebê. O tempo não para e, por isso, deveria ter aproveitado o presente. Eu até cheguei a pensar e tentar me culpar por algo do tipo: será que foi aquele esporte que fiz ou o almoço no japonês que comi? Mas e o nervosismo daquela tarde ou a aflição do trabalho? E a ansiedade? Foram tantos os pensamentos e questionamentos que cheguei à conclusão de que não há culpa e sim aprendizado e oportunidade de enxergar a vida com um novo sentido.

Em janeiro, depois que o Theo nasceu, fui ao médico para tentar entender o que tinha acontecido e o médico mesmo disse que não tinha explicação. Não tinha resposta técnica e científica. Os últimos exames do colo de útero, por exemplo, estavam normais.

A lição que trago de tudo isso é que a vida me trouxe um convite para que pudesse rever minhas verdadeiras prioridades. Eu não preciso de nada planejado. Acho que foi um tapa na cara de verdade porque mãe é imperfeição, é errar e acertar e está tudo certo. É a vida dizendo para viver o agora e me reconectar com aquilo que realmente importa, que é o meu novo propósito e minha nova alegria: o Theo.

Graças a Deus ele não precisou fazer nenhuma cirurgia. O único desafio agora é a privação do sono. Acho que faz uns quatro meses, desde que eu voltei do hospital, que eu não durmo uma noite completa. Não sei mais o que é isso. E teve a questão de a família não ter podido conhecê-lo nos primeiros meses. Isso tudo porque ele ainda não havia tomado todas as vacinas e por ser um bebê prematuro é mais suscetível a ter doenças respiratórias. Mas agora a pediatra liberou as visitas e já retomamos alguns passeios. Claro, levando o Theo sempre junto com a gente, nosso companheiro de aventura.

Também decidi que vou ter apenas ele. Filho único. Não é trauma, mas eu me organizei financeiramente para ter o Theo. Aos poucos a nossa vida vai entrando nos eixos. O Theo já está com quase seis quilos, bem gordinho, forte e saudável. A vida segue com muitas histórias para contar, e esse capítulo já foi superado com vitória.

Fonte: Extra Saúde 

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