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13.02.2017

Brasil avança, mas ainda não vence mortalidade infantil

Nas últimas duas décadas, o Brasil conseguiu alcançar o Objetivo do Milênio e reduzir a mortalidade infantil a um terço. No entanto, 67,5% das 44.537 mortes de crianças de até 4 anos ocorridas em 2014, último dado disponível pelo Ministério da Saúde, ainda são classificadas como evitáveis e poderiam ter tido outro desfecho com o aperfeiçoamento do sistema de saúde e mais cuidados das famílias. Esse cenário é agravado pela crise econômica dos estados.

Levantamento feito pelo sociólogo Júlio Jacobo, a pedido do GLOBO, mostra que, das 29.241 mortes por causas evitáveis registradas em 2014, 21.368 poderiam ter os riscos detectados com um sistema mais eficiente nos cuidados no pré-natal, no parto e logo após o nascimento. Nas outras fases da primeira infância, há ainda doenças que poderiam ser evitadas com diagnóstico e tratamento adequados (3.972), e as chamadas causas externas, como acidentes de transporte (488), afogamentos (427), deficiências nutricionais (334) e agressões (210).

— As mortes por causas evitáveis são aquelas que não deveriam ocorrer porque a tecnologia de atendimento à saúde já existe e deveria estar disponível a toda a população, mas não está. Há grandes desníveis de acesso ao sistema de saúde no Brasil — diz Jacobo.

Sônia Lansky, doutora em saúde pública, afirma que, na década de 1990, as principais causas de morte de crianças na primeira infância eram diarreia, pneumonia e tétano. Com a melhoria da condição de vida da população e a organização do sistema de saúde, essas doenças diminuíram, dando mais visibilidade às relacionadas à assistência na gestação, no parto e a recém-nascidos, que ganharam mais peso nas pesquisas.

A chegada de Lorena Cristina, em junho de 2016, foi a realização de um sonho para a dona de casa Valeska Ferreira de Paiva, de 26 anos, moradora de Itu, interior de São Paulo. Com hipotiroidismo, Valeska teve sua primeira gravidez com cuidados redobrados. Todos os exames de ultrassonografia, no entanto, apontaram uma menina saudável, com 53 centímetros e 3,2 quilos.

Sem alcançar a dilatação necessária para um parto normal, Valeska queria fazer cesariana, mas o médico teria insistido num parto normal. Foram 12 horas em trabalho de parto sem que os batimentos cardíacos do bebê fossem acompanhados. Valeska foi submetida à Manobra de Kristeller, que é o uso de pressão na parte superior do útero, já proibida pelo Ministério da Saúde. Como última alternativa, passou por uma episiotomia (corte na vagina) para ampliar o canal de parto.

— Minha filha saiu roxa, já com parada cardíaca e o cordão umbilical enrolado no pescoço. Levou três choques de adrenalina pra voltar. Teve hipoxemia e anoxia neonatal (falta de oxigênio), fez diálise, traqueostomia e gastrostomia — conta ela, lembrando que a criança morreu 64 dias depois e, se sobrevivesse, sofreria de paralisia cerebral.

Excesso de cesarianas

Sônia ressalta que muitas mortes durante a gestação e nas primeiras semanas de vida são decorrentes de problemas congênitos, de difícil controle. Segundo ela, as principais preocupações do sistema de saúde hoje, relacionadas ao período entre a gestação e os primeiros dias de vida das crianças, são os óbitos decorrentes da prematuridade dos bebês, asfixias no parto e infecções perinatais.

— A prematuridade pode ser prevenida com um pré-natal qualificado. As doenças das mães, como diabetes, pressão alta e infecção urinária, podem ser detectadas e controladas — diz a especialista.

Hoje, 76% das gestantes fazem mais de sete consultas de pré-natal, percentual comemorado por profissionais de saúde. O nascimento de bebês prematuros, com baixo peso e idade gestacional, segundo Sônia, é fruto do excesso de cesarianas. Em 2014, 56,7% dos bebês nasceram por cesarianas.

— Estamos produzindo prematuros — afirma.

O peso médio dos bebês ao nascer está abaixo de três quilos. Quanto menor o peso, maior o risco. Os bebês sofrem ainda com o excesso de intervenção no parto, como o uso da ocitocina para acelerar contrações. É comum também que a mulher seja colocada em posição ginecológica na hora do parto, o que dificulta a respiração do bebê.

Tereza de Lamare, diretora do Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas do Ministério da Saúde, explica que programas como a Rede Cegonha melhoraram muito o atendimento à gestante no país, mas ainda é comum que a mulher vá ao hospital, seja orientada a voltar para a casa. Ao retornar, em trabalho de parto, o bebê já está em situação de sofrimento.

Diagnosticada com pressão alta, a vendedora Luana Beatriz Caldas, de 33 anos, teve a gravidez acompanhada com rigor. No fim da gestação, chegou a ser internada, mas recebeu alta. Quando retornou em trabalho de parto, os batimentos cardíacos do bebê só foram verificados cinco horas depois de dar entrada hospital. "O coração devia estar batendo", foi a única coisa que Luana diz ter ouvido do médico.

Em 2014, o Ministério Público Federal instaurou inquérito para apurar violência obstétrica em hospitais públicos de São Paulo. Foi constatado que as gestantes eram submetidas indiscriminadamente a episiotomia, ocitocina para acelelar o parto e Manobra de Kristeller.

Com a intervenção do MPF, os hospitais se comprometeram a abolir a manobra.

Fonte da notícia: O Globo (notícia original publicada em 05/02/17)
(Foto: Arquivo pessoal)

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