O que deveria ser um momento mágico pode se tornar uma experiência desagradável pelo simples fato de a mãe não ter direito à presença de um acompanhante na hora do parto. Isso acontece com muita frequência porque a Lei 11.108 de 2005 é descumprida em muitos hospitais públicos do Ceará. Em Fortaleza, apenas os Gonzaguinhas de Messejana, da Barra e do José Walter; e a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) estão adequados à lei.
Estudos científicos comprovam que a presença de um acompanhante com a gestante contribui para reduzir o tempo do trabalho de parto e o número de cesáreas; aumenta os índices de amamentação; diminui a necessidade de medicação, o cansaço durante e depois do procedimento e as chances de depressão pós-parto.
Desde 1985, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda essa prática que também estreita o vínculo familiar. Outra vantagem é que a exigência da lei acaba reduzindo o número de cesáreas, parto que oferece mais riscos para a saúde da mulher. Essa é uma luta que vem sendo travada para reduzir a mortalidade materna no Ceará, já que quando o parto é normal é menos provável o bebê nascer prematuro e cai o risco de morte da mãe. As informações são da diretora da Meac, Zenilda Bruno.
Legislação - De acordo com a lei federal, as grávidas têm direito à presença de um acompanhante de sua escolha antes, durante o trabalho de parto e no pós-parto nas maternidades do Sistema Único de Saúde (SUS) e conveniadas. O SUS paga a diária do acompanhante.
As unidades de saúde alegam que o problema é a falta de estrutura física para receber os acompanhantes. Em muitos locais até que é possível entrar uma pessoa do sexo feminino na hora do parto, mas os homens não. Isso porque as salas são coletivas, o que tira a privacidade das grávidas. Os locais necessitariam de reformas para a adequação. Porém, as maternidades tiveram prazo de seis meses para isso. Para que as adaptações sejam feitas, o Ministério Público Estadual do Ceará (MPE) já encaminhou uma recomendação e aguarda um relatório sobre levantamento de todas as unidades que ainda não se adequaram no Ceará.
A recomendação é que os hospitais tenham os chamados apartamentos PPP´s (pré-parto, parto e pós-parto), onde a mulher tem privacidade para ficar com o marido. A Meac e o Gonzaguinha de Messejana já dispõem de salas individualizadas.
A ginecologista e obstetra Bárbara Pinho argumenta que a estrutura para receber um acompanhante é mínima. "A pessoa que vai fazer companhia pode ficar com a própria roupa e se acomodar em qualquer lugar. O marido dando apoio no parto faz toda a diferença".
No Hospital César Cals não é possível a entrada de acompanhante durante o parto, apenas antes e depois. Conforme o chefe do Centro de Ginecologia da unidade, Alexandre Porto, já existe um projeto de construção de uma nova maternidade. "Ainda não foi possível seguir a lei criteriosamente porque a nossa estrutura é muito antiga e enfrentamos a dificuldade de limitação do espaço físico".
O Hospital Municipal Nossa Senhora da Conceição também não permite a entrada de acompanhante. O diretor-geral da unidade, Antônio de Pádua Martins, explica que a reforma que vai adequar o hospital à lei já está em andamento. Apesar de ter sido interrompida, será retomada em breve. Lá, Camila de Lima disse não ter tido acompanhante em nenhum momento. "Acho importante, mas aqui eles não deixam entrar". A companheira de quarto, que não quis se identificar, conta que foi com a irmã ter neném, mas a entrada dela não foi permitida porque a gestante é maior.
DESINFORMAÇÃO- Boa parte das gestantes desconhece legislação:
Um dos maiores entraves para que a lei do acompanhante seja cumprida é a desinformação. Muitas mulheres não sabem nem que a legislação permite a entrada de acompanhante de escolha delas na sala de parto. A dona-de-casa Maria Cinara de Souza, de 23 anos, diz que não sabia que tinha direito a uma companhia durante sua internação no Hospital Municipal Nossa Senhora da Conceição e acabou sem acompanhante. Apesar de o marido não ter podido ficar por causa do trabalho, Maria Cinara conta que se sentiu sozinha.
Das três mulheres entrevistadas na unidade municipal de saúde que tiveram filho recentemente, nenhuma conhecia a lei.
Para tentar informar sobre a lei, a Pastoral da Criança realiza um trabalho de divulgação junto às gestantes. O propósito é esclarecer a pessoa da unidade básica de saúde por meio de líderes paroquiais.
Cada líder acompanha de dez a 15 famílias, fazendo visitas nas casas e informando sobre a lei. "Convidamos as mulheres nas igrejas a participarem das reuniões da Pastoral que são rodas de conversa", conta a voluntária na ação de comunicação da Pastoral da Criança e jornalista, Inês Prata. Além disso, um programa de rádio e um jornal informam sobre os direitos das gestantes.
Os resultados são lentos, como informa Inês Prata, mas acontecem, sobretudo dentro das comunidades, onde as mudanças da mãe em relação a si mesma e ao filho são evidentes. "A intenção é cadastrar o maior número de gestantes". Em Fortaleza, são 9.831 voluntárias que atendem mais de 18 mil crianças e gestantes.
Uma reclamação dos médicos e enfermeiras é que as acompanhantes podem atrapalhar o procedimento da hora do parto. No entanto, os benefícios para a mãe com a presença de uma pessoa da sua intimidade são incontestáveis, como afirmam especialistas.
Muitos hospitais oferecem o acompanhamento das doulas, mulheres que dão suporte físico e emocional antes, durante e após o parto. Contudo, familiares sempre dão mais tranquilidade às grávidas. Conforme a enfermeira obstetra da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), Marta Herculano, o pai funciona como um componente da equipe. "Só ajuda na hora do procedimento".
Para treinar os pais, o Hospital Distrital Gonzaga Mota, o Gonzaguinha de Messejana, realiza o programa "Parto que te quero perto". A iniciativa busca estimular os companheiros a participarem de todo o processo da gravidez, desde o pré-nata
l, até o momento do parto. É uma forma de prepará-los para que eles contribuam.
Segundo o diretor geral do hospital, Eusébio Rocha, os resultados são percebidos com o aumento do vínculo familiar e da responsabilidade dos pais.
Dúvidas frequentes - A mulher pode indicar uma pessoa de sua livre escolha.
De acordo com a Agência Nacional de Saúde (ANS), os planos de saúde devem cobrir as despesas, inclusive da roupa esterilizada.
O direito à presença de acompanhante não depende de curso prévio. Mas os cursos oferecidos para acompanhantes podem ser de grande ajuda para o acompanhante.
A lei é válida para todos os serviços de saúde brasileiros, públicos e particulares, civis e militares; e para partos normal e cesariana.
Você pode realizar sua denúncia via site do Ministério Público Federal, ou no Ministério Público Estadual, e também pelo site da Anvisa. Se o seu atendimento foi realizado pelo Plano de Saúde, você também pode denunciar pelo site da ANS.
Fonte:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=985504 por Lina Morosco (23/05/11)