Quando o bebê chega ao mundo, toda a atenção da família recai sobre ele. A pele macia e sedosa, os fios de cabelo finos e as mãos pequeninas o fazem parecer uma criatura tão frágil e insegura que dá até medo de pegar no colo. Se ele vem antes dos 9 meses de gestação, então, os cuidados paternos e médicos precisam ser redobrados. Em alguns casos, o recém-nascido precisa passar as primeiras semanas de vida em um quarto individual na UTI neonatal para que nada prejudique seu desenvolvimento. No entanto, se isso nos parece o mais sensato e seguro para o crescimento do bebê, uma nova pesquisa realizada na Faculdade de Medicina da Universidade de Washington vem na contramão do senso comum. Segundo os pesquisadores do estudo, os bebês que passam os primeiros dias de vida em quartos individuais em UTIs são privados de sons e ruídos benéficos (como sons e vozes humanas) que influenciariam em um melhor desenvolvimento da linguagem no futuro dessas crianças.
Mas qual a ligação entre os sons que o bebê escuta ainda prematuro na UTI com a formação da linguagem? Ainda que muitos fatores tomem parte importante na formação linguística, o fator sonoridade foi o escolhido, já que uma pesquisa anterior indicou que, caso comparados prematuros que ficam em quartos compartilhados com prematuros que ficam em quartos individuais, estes últimos apresentam uma linguagem mais pobre aos 2 anos de idade. E isso pode ser explicado pelos ruídos dos equipamentos médicos aos quais esses bebês são expostos na UTI: incubadoras, ventiladores mecânicos e alarmes, por exemplo, aparelhos que produzem sons muito "mecânicos".
A situação piora quando o prematuro nasce em condições de maior risco e é encaminhado para um quarto privado, no qual não existem outros bebês e, portanto, o som de outras crianças, a conversa da equipe médica e até a visita de parentes é limitada ou quase inexistente. Esses barulhos seriam de grande importância para a criança, como aponta o pediatra Lívio Francisco da Silva Chaves, membro do departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria: "Sabemos que, independente de o bebê ser prematuro, o som da voz humana, principalmente a materna, traz um estímulo neurológico para a formação da linguagem e da audição no bebê com o tempo”. Dessa forma, então, o recém-nascido que fica em um quarto privado perde o gatilho de desenvolvimento que existe para outros prematuros que dividem a mesma sala na UTI neonatal e para os bebês no berçário.
Exposição sonora
A partir da 20ª semana de gestação, o bebê que está no útero já é capaz de ouvir todos os barulhos do corpo da mãe e sons externos que chegam até ele de maneira mais atenuada. Ambos são processados e vão contribuindo para o amadurecimento das vias auditivas, processo que só se encerra por volta dos 18 aos 20 anos de idade. “Pensamos no sistema auditivo como uma árvore. Ela nasce sem folhas. Depois, cada estímulo sonoro vai formando folhas e a árvore vai ganhando corpo e nós, conhecimento. Vamos percebendo os sons e intensidades, atribuindo significados e fazendo integração com outras áreas”, explica a fonoaudióloga Flávia Ribeiro, do Hospital e Maternidade São Luiz do Itaim.
E como a pesquisa da Universidade de Washington indica, o ideal é expor o bebê o mundo sonoro de uma maneira em que não haja tanto ruído, mas nem a ausência completa dele. "Tememos tanto em mexer no bebê, em fazer barulho por perto dele em prol de promover o silêncio, mas estamos vendo que isso não é necessariamente tão bom. O ruído é prejudicial, mas isolar a criança do contato com sons também. Ouvir vozes humanas é fundamental. Ao nascer, a criança já reconhece sons da língua materna. É importante que ela esteja exposta a isso e que os pais conversem com ela”, completa a fonoaudióloga.
Sons de UTI
No entanto, a pesquisa também trouxe à tona a questão dos barulhos mecânicos encontrados na UTI. Ainda que em dias atuais os ruídos dos aparelhos que compõem esses espaços hospitalares sejam controlados, algumas UTIs no país ainda não tem equipamentos que evitem sons abusivos. “Dentro do útero, a criança escuta em torno de 40 a 50 decibéis. Já na incubadora, o ruído chega a 78 decibéis. Um aparelho respirador tem em torno de 80 decibéis. Isso precisa ser pensado porque os sons interferem no desenvolvimento infantil como um todo”, explica o pediatra Lívio.
Esses ruídos artificiais, por sua vez, podem atrapalhar na qualidade de vida do bebê. Podem originar, por exemplo, alterações na pressão arterial e na frequência cardíaca, diminuição na resistência à dor da criança, estresse, agitação e irritação. O ideal seria construir um acesso mais humanizado que poderia até diminuir o tempo de internação, respeitando as possibilidades do prematuro.
As dicas que os profissionais costumam dar são para que os pais conversem e até cantem para o bebê. “Qualquer estímulo positivo para que a neuroplasticidade seja favorida é importante, e a música é um deles. A intesidade, a característica de ser aguda ou grave pode influenciar na frequencia cardíacada da criança. Além disso, a voz humana para a criança traz benefícios que influenciam na concentração, na memória e nos comportamento futuros”, sintetiza o pediatra.
Fonte da notícia: Revista Crescer (notícia original publicada em 22/02/17)
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