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13.03.2023

Entenda por que o Brasil é referência mundial em bancos de leite materno

O Brasil tem o principal programa de doação de leite materno do mundo, e os especialistas dizem que podemos aprender muito para ajudar mulheres e bebês em todos os lugares.

Cinco dias após o parto prematuro de seu bebê, no mês passado, em um hospital municipal do Rio de Janeiro, Talita Alves Araújo Lourenço sentou-se em uma cadeira enquanto uma enfermeira a ajudava a tirar o leite materno.

Talita, 20 anos, deu à luz com 32 semanas; ela sabia que o parto prematuro era provável porque havia sido diagnosticada com pré-eclâmpsia. No início, seu bebê só conseguia beber o leite por uma sonda, mas mesmo depois de desenvolver força e coordenação para mamar no peito, Talita Araújo estava produzindo bastante leite. A enfermeira a ajudava a esvaziar os seios para que ficassem mais confortáveis e doar o leite extra.

“Saber que meu leite pode estar salvando alguém é muito importante para mim”, diz Talita.

Embora a contínua escassez de fórmula infantil que começou em fevereiro de 2022 afetasse famílias de bebês que não conseguiam encontrar o suprimento, também renovou o interesse na doação de leite materno para bancos de leite que o fornecem a hospitais para recém-nascidos vulneráveis.

O Brasil é amplamente considerado o principal exemplo mundial de banco de leite por causa de um programa iniciado na década de 1980 que combinava promoção e treinamento em amamentação com doação. O país administra hoje 228 dos cerca de 750 bancos de leite humano do mundo. Os Estados Unidos, em comparação, têm 28 que são membros da Human Milk Banking Association of North America.

Estabelecendo uma relação de amamentação

Levaria mais alguns dias até que o filho de Talita ganhasse peso suficiente para receber alta do Hospital Municipal Lourenço Jorge – Maternidade Leila Diniz. Nesse ínterim, ela ia e vinha entre sua casa, a 30 minutos de distância, para ficar com a filha e amamentar.

O hospital possui uma sala de cuidados, a sala canguru, onde as mães aprendem a praticar o vínculo pele a pele, colocando o bebê na posição vertical contra o peito nu e estabelecendo a amamentação. As mães têm cama, refeições e lavanderia. Um número limitado de vagas está disponível no hospital para pernoites.

É cada vez mais comum que hospitais de todo o mundo promovam a amamentação logo após o nascimento de um bebê, mas é muito mais difícil para bebês com problemas de saúde. Muitas das mães demoram a amamentar, e elas não são ensinadas a manter o suprimento, o que é problemático em países onde a qualidade da água torna arriscada a limpeza das mamadeiras e a fórmula infantil é muito cara para muitas.

Na sala canguru, muitas mães que têm mais leite do que o necessário para seus bebês também têm a opção de doar. Mesmo depois que as mães saem do hospital, o processo de doação de leite materno é facilitado porque os centros de lactação do hospital enviam funcionários à casa das doadoras para entregar frascos de vidro esterilizados e recolhê-los quando estiverem cheios. O leite é então pasteurizado, testado e recebe um rótulo com base em qualidades como valor calórico e acidez.

Conforme necessário, o leite de uma mãe solteira é combinado com um bebê que os funcionários do hospital acreditam ser o melhor candidato. Por exemplo, se há um bebê que precisa ganhar peso, ele pode obter um leite mais calórico, enquanto outro bebê com baixos níveis de cálcio no sangue pode se beneficiar de um leite de baixa acidez.

“A principal diferença do modelo em relação a outros países é o apoio do governo, e que o apoio à amamentação vem junto com o banco de leite”, diz Danielle Aparecida da Silva, diretora técnica da Rede Nacional de Bancos de Leite Humano do Brasil.

Como o Brasil iniciou seu programa de banco de leite

No final da década de 1970, o Brasil tinha um sistema muito parecido com o dos Estados Unidos, no qual o apoio à amamentação nos hospitais era separado do trabalho de coleta de leite. Nessa altura, João Aprígio Guerra de Almeida era um jovem investigador biomédico que procurava métodos de recolha e conservação do leite materno. Ele finalmente descobriu que os processos usados pelos três bancos de leite do país apresentavam sérios problemas de controle de qualidade.

Na época, houve um grande esforço para aumentar a amamentação, e Almeida logo foi encarregada do desenvolvimento do programa de banco de leite do país. Em 1986, ele estabeleceu um novo modelo. Primeiro, era importante que o leite fosse fornecido apenas por doação, para que as lactantes não fossem encorajadas a negligenciar seus próprios bebês. Para manter um suprimento constante, fazia sentido combinar a promoção da amamentação com a coleta de leite.

Além disso, Almeida descobriu que o maior custo de funcionamento de um banco, cerca de 85%, era simplesmente comprar produtos de vidro de grau médico para armazenar o leite. Em vez disso, ele mudou para recipientes de alimentos reaproveitados, como maionese e potes de café, que eram igualmente seguros e podiam ser doados. Em vez de máquinas de pasteurização de fabricação estrangeira, ele também passou a usar equipamentos de teste de alimentos de laboratório fabricados localmente, que eram mais baratos e podiam desempenhar a mesma função de determinar o valor nutricional do leite.

Com o tempo, mais e mais bancos de leite abriram com esse novo sistema e foram anunciados no rádio e na televisão. Os centros, localizados em hospitais, tornaram-se locais onde as pessoas podiam armazenar seu leite depois de ordenhado para uso posterior, antes de se tornar mais comum salas de lactação em locais de trabalho. Havia também centros de coleta onde as pessoas podiam deixar o leite materno.

Em algumas cidades, não havia carros do governo suficientes para chegar às casas de todas as doadoras, então, os centros trabalharam com bombeiros, que foram treinados para armazenar o leite com segurança. Funcionários dos Correios foram recrutados para promoção do aleitamento materno. Eles sabiam quem, em suas rotas de entrega de correspondência, estaria grávida e poderiam usar algumas informações sobre apoio à lactação.

Entre 1990 e 2015, o Brasil reduziu sua taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos em 73%, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parte por causa desse programa, mas também devido a outros esforços para aumentar a imunização e a ajuda financeira para famílias de baixa renda. Embora renomada, a rede brasileira de bancos de leite humano ainda é capaz de atender apenas cerca de 60% dos bebês prematuros e com baixo peso ao nascer, de acordo com a Fiocruz, a principal fundação de pesquisa em ciências biológicas do país.

“Se houvesse uma bússola ética para o banco de leite, a seta apontaria para o Brasil”, diz Summer Kelly, presidente eleita da Associação de Bancos de Leite Humano da América do Norte. “O foco incansável dos administradores de bancos de leite brasileiros no apoio e proteção da mãe que amamenta inspira e motiva outros bancos de leite ao redor do mundo.”

Modelo para outros países

Como os bancos de leite brasileiros ganharam reconhecimento internacional, outros países trabalharam com o Brasil para implementar programas semelhantes. Hoje, a maioria dos países da América do Sul, bem como Cuba, República Dominicana, Cabo Verde, Moçambique e Angola estabeleceram bancos de leite no mesmo modelo.

A Path, uma organização global de saúde, também trabalhou com países como Índia, África do Sul, Vietnã e Quênia para implementar programas de amamentação baseados nos do Brasil. No Quênia, por exemplo, o primeiro banco de leite humano da África Oriental foi estabelecido como um modelo abrangente, vinculado à amamentação, adaptando a abordagem do Brasil ao contexto local.

“Quando trabalhamos em um país, esse é o modelo (o brasileiro) que sugerimos aos governos para estabelecer”, diz Kiersten Israel-Ballard, chefe de equipe do programa Path para recém-nascidos, saúde infantil e nutrição. “Se você prioriza o leite doado, mas não está ajudando a mãe, isso não é sustentável. A prioridade é que recebam ajuda para amamentar como uma solução de longo prazo.”

Para Ana Clara Benevenuto Mattos de Andrade, doar leite já virou uma tradição familiar. Há mais de 20 anos, seu irmão foi hospitalizado quando recém-nascido e sua mãe doou leite enquanto recebia ajuda para aprender a alimentá-lo em um centro de lactação. Quando Ana Clara teve excesso de leite após o nascimento de seu próprio filho, ela decidiu doar também. Ela envia mamadeiras semanais ao banco de leite do Núcleo Perinatal do Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, há quatro meses.

“Infelizmente, quando os bebês estão internados, há mães que não têm condições de ir ao hospital todos os dias para alimentá-los. Essa é a realidade de muitas famílias no Brasil”, relata Ana Clara. “Sinto a necessidade de ajudar essas mães e bebês.”

Fonte: National Geographic

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