Em março de 2015, trabalhando 16 horas por dia, tive um surto de ansiedade. E no fim de abril, descobri que estava grávida da Amora. Começava ali uma tentativa desesperada de controle da crise e controle de uma situação (gravidez) na qual não teria controle algum. Em meio a terapia, medicação e acompanhamento humanizado, fui me conectando com a Amora e estabilizando meu estado emocional.
Com 22 semanas, minha pressão começou a subir e com 27 semanas, chegou a 18x10. O diagnóstico: Síndrome de Hellp (pré eclampsia). Precisava interromper a gravidez para salvar minha vida. A Amora poderia não sobreviver. A confusão emocional era tanta que a racionalidade dominou. Me desvinculei da Amora e me mantive firme para viver e não deixar meu marido sozinho. Mas Amora sobreviveu! Agora eu era mãe, mas não tinha minha filha comigo. Na verdade, nem cheguei a ter barriga e já tinha filha!
Demorei para processar o parto. Meu marido, enquanto isso, se descobriu apaixonado. Ficou com ela o tempo todo após o nascimento. Minha família foi dormir comigo grávida e acordou comigo me recuperando de uma cesárea e duas hemorragias. Dormiram com a Amora no ventre e acordaram com a Amora recém-nascida pesando 760g. Ninguém entendia nada. Parecia que a única certeza era o alívio de nós duas estarmos vivas.
Amora nasceu no início da quarta, mas só a conheci na sexta. Não queria conhecê-la, não queria gostar de um bebê que poderia não sobreviver. Estava vivendo o luto da barriga. “Tiraram a Amora de mim!” Quando cheguei ao CTI Neo senti culpa. Essa foi a primeira coisa que senti ao ver minha filha, culpa.
Durante as duas primeiras semanas de vida da Amora, meu marido tomou frente dos cuidados da Amora. Ele se tornou pai assim que ela nasceu. Ia ao hospital 2 vezes por dia, sabia todas as drogas que ela tomava e todos os parâmetros de ventilação. Ele não havia apenas se tornado pai, mas agora era um pai de prematuro extremo.
Eu não conseguia entender aquilo tudo! Não conseguia ficar com Amora por muito tempo, não ouvia quando os médicos falavam, não conseguia viver aquilo. Enquanto me recuperava do parto, me apeguei na ordenha. Afinal, amamentar era algo que eu conseguia entender. Minha mãe, que também não entendia o que acontecia, se focou em cuidar de mim, cuidar dos pontos e da minha alimentação.
Após me recuperar, comecei a ir para o hospital. Eu não sabia o que fazer. Não sabia se falava com ela, como falava com ela, como tocar, não sabia ser mãe e tampouco sabia o que era um prematuro. Logo a psicóloga veio falar comigo: “ah mãe, não é fácil.” Mas a tristeza ainda nem tinha chegado em mim. Eu precisava entender o que acontecia. Estava em tratamento da ansiedade, precisava de controle.
Comecei a buscar por controle. Aquele hospital seria minha nova morada pelos próximos meses, as pessoas dali seriam meus novos amigos e a Amora, um dia, seria a bebê gordinha e rosada na qual eu estava esperando.
E mais uma vez, a racionalidade chegou. Eu precisava de rotina para me manter no controle da situação. Assim o fiz! Chegava no hospital as 8h, via como a Amora estava, ia tomar café, as 9h já estava no banco de leite ordenhando. Voltava para o CTI até as 11h30, hora do almoço com as outras mães. 13h estava de volta ao CTI para assumir meu papel de mãe lá. Mas eu não sabia ser mãe de prematuro, ser mãe de CTI. Precisava resolver isso.
Comecei a observar a equipe, a me envolver com eles, conversar e entender a rotina de trabalho de todos. Ali estavam meus professores. Eles sim sabiam como cuidar de um bebê prematuro e sabiam o que era um bebê prematuro. Era um hospital escola, então eu tinha “matérias” diferentes. Aprendi com as enfermeiras a trocar fralda, manipular a Amora, pesar fralda e verificar temperatura. Aprendi com os residentes a linguagem médica, o nome das drogas e exames. Com os médicos contratados, aprendi sobre as intercorrências esperadas na prematuridade. E, por fim, com a didática e experiência dos professores, assimilei tudo o que me ensinavam ali. Aquilo tudo me ajudaria a ser mãe de CTI.
Agora podia voltar a organizar minha agenda. De tarde no CTI, pesava fraldas, verificava os sinais e fazia canguru. As 15h30, hora do lanche, seguido de ordenha. As 20h, estava em casa. E assim consegui uma falsa sensação de controle em meio àquela situação inesperada e totalmente incontrolável.
A cada intercorrência, eu caia. Surtava e corria na psicóloga. Todos vinham me acolher, já que eu era sempre tão “forte”. Eu não era forte. Talvez nunca tenha sido tão frágil, mas eu entendi, durante esse processo, que eu já estava sendo mãe, que eu já sabia ser mãe, pois é isso que as mães fazem, elas dão um jeito. Elas superam a própria doença para cuidar de seu filho.
Foram 111 dias de internação, nos quais eu cuidei da Amora em todas as suas fases – incubadora, berço e colo. Quando entendi que havia parido, parei de cuidar da cicatriz da cesárea; Ela é minha marca de parto, por onde minha filha nasceu. 111 dias me tornando, a cada dia, a mãe da Amora.
Escrito por Agda Dias, mãe da Amora.