Daniela Teixeira deu à luz com 29 semanas de gestação, após esperar oito horas para falar no Conselho, e bebê passou 62 dias na UTI. Caso motivou criação de lei, em 2016, que dá prioridade de sustentação a advogadas grávidas, mas foi ignorada em sessão virtual do TRT-4 na quinta-feira.
A lei que garante prioridade de fala a advogadas gestantes durante sessões de julgamento, entre outros direitos, tem rosto. Julia Matos, que dá nome à Lei 13.363/2016, nasceu com 29 semanas de gestação e passou 62 dias na UTI. Ela é filha da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Daniela Teixeira, que teve um parto prematuro depois de esperar oito horas para falar em uma sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Daniela falou com Zero Hora sobre o episódio em que uma advogada grávida de oito meses teve indeferidos pedidos de preferência de fala em uma sessão do Tribunal Regional do Tralho da 4ª Região (TRT-4), em Porto Alegre.
— Acompanhei entristecida esse episódio. Existe lei federal que deve ser cumprida, independente da opinião pessoal do desembargador. A lei foi promulgada exatamente para evitar que prevaleça a discricionariedade de magistrados sem mínima empatia e preocupação com a saúde da criança e da mãe — destacou a ministra.
O caso envolvendo a advogada Marianne Bernardi ocorreu em sessão realizada na quinta-feira (27), quando ela informou não estar se sentindo bem e pediu que sua vez de fazer a sustentação oral fosse antecipada. O desembargador Luiz Alberto Vargas, presidente da 8ª Turma, negou a prioridade, alegando que a medida não se aplicava para sessões virtuais. Vargas também disse não saber se a advogada estava mesmo grávida. Neste momento, Marianne se levantou e expôs a barriga de oito meses diante da câmera do computador.
Outros advogados, o representante do Ministério Público do Trabalho e até desembargadores se manifestaram em favor de Marianne, pedindo que Vargas reconsiderasse. Mas ele refutou todas as manifestações, se mostrando impaciente. A advogada teve que esperar por cerca de sete horas para se manifestar no processo.
— Nossa Constituição é a única do mundo que contempla o princípio de que a criança deve ser tratada como prioridade absoluta, inclusive no Poder Judiciário. A lei Julia Matos surgiu exatamente para externar esse princípio que já estava na Constituição e era desrespeitado no Judiciário. Lamentavelmente um desembargador não conhece nem a Constituição, nem a lei. Em situação idêntica aguardei oito horas para fazer uma sustentação oral, saí do tribunal para o hospital, quando nasceu minha filha Julia Matos, que dá nome à lei promulgada três anos depois. Passamos 62 dias na UTI _ disse Daniela a Zero Hora.
Como diretora da OAB/DF, Daniela provocou o debate da questão e assim nasceu a Lei 13.363/2016, que estipula direitos e garantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou que der à luz e para o advogado que se tornar pai.
O episódio no TRT-4 teve grande repercussão, com manifestação de entidades e advogados em apoio à Marianne. A OAB/RS aprovou desagravo público contra o desembargador, que ocorrerá na próxima quinta-feira (4), e vai inscrevê-lo no Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas da advocacia.
Em situação idêntica aguardei oito horas para fazer uma sustentação oral, saí do tribunal para o hospital, quando nasceu minha filha Julia Matos, que dá nome à lei promulgada três anos depois. Passamos 62 dias na UTI.
DANIELA TEIXEIRA
Ministra do STJ
Na tarde do domingo (30), o CNJ anunciou abertura de apuração sobre a atitude do desembargador. A medida, uma reclamação disciplinar, foi solicitada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão.
"Pelo que exposto, os fatos veiculados se revestem de gravidade e autorizam a atuação desta Corregedoria Nacional de Justiça. Como será melhor detalhado ao longo deste procedimento, há necessidade de se perquirir, na esfera administrativa, acerca de potencial infração disciplinar praticada pelo Desembargador Luiz Alberto Vargas a partir da conduta ao longo da sessão ocorrida na 8ª Turma do TRT da 4ª Região em 17/06/24, a macular o previsto na Constituição Federal, na LOMAN e no regramento traçado por este Conselho, em especial envolvendo as questões de gênero", diz trecho da decisão.
O ministro deu prazo de cinco dias para que o TRT-4 informe as providências tomadas em relação aos fatos.
Em entrevista a Zero Hora, o desembargador Vargas disse entender que não violou prerrogativas nem errou juridicamente. Sobre ter indeferido os pedidos da advogada, previstos em lei, explicou ter seguido um "entendimento" da 8ª Turma de que as preferências não podem ser dadas em sessões telepresenciais. Depois da sessão, o desembargador pediu afastamento da função por 35 dias com base em licença médica.
Para a ministra Daniela, que comemora que "Julia é uma menina linda, alegre e inteligente, com 10 anos, e que passou bem por todas as sequelas da prematuridade extrema", o que falta para que casos assim não ocorram mais é apenas uma coisa:
— Punição do CNJ.
Fonte: GZH