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02.07.2017

A importância do trabalho interdisciplinar para o ganho de peso em prematuros extremos

"O trabalho para otimizar o ganho de peso em prematuros é essencialmente multiprofissional.

Atualmente, a sobrevida de prematuros extremos é cada vez maior, a idade gestacional a partir da qual mais da metade dos prematuros sobrevive mudou de 30-31 semanas na década de 60 para 23-24 semanas na última década1. O nosso desafio agora é buscar a maior qualidade de vida possível para essa população. Essa mudança de paradigma inclui o maior foco em alcançar uma oferta nutricional adequada, tanto do ponto de vista quantitativo, como qualitativo, dada a enorme influência da nutrição precoce nos desfechos a longo prazo2. Sabemos que as taxas de restrição de crescimento extra-uterino (RCEU), ou seja, a desnutrição que os prematuros extremos sofrem durante o período de internação na UTI Neonatal são elevadas, chegando a 89% em grandes estudos internacionais3. Dada a importância e a complexidade desses novos desafios, toda a equipe de profissionais que trabalha na UTI Neonatal precisa unir esforços na busca pelos melhores resultados.

O ideal seria que a unidade contasse com a presença de neonatologistas, equipe de enfermagem experiente nos cuidados com o prematuro extremo, nutricionista, farmacêutico, psicóloga, fonoaudióloga e fisioterapeuta. Mas levando em conta a realidade da maioria das UTI’s neonatais brasileiras, acredito que onde houver um neonatologista e um profissional da enfermagem comprometidos com os cuidados dos prematuros, muito pode ser feito para melhorar a qualidade do atendimento. Inclusive demonstrar a importância de agregar os outros profissionais nos cuidados desses pacientes.

O trabalho de todos é muito importante e deve ocorrer de forma coordenada. Só para dar um exemplo, ao receber o prematuro extremo na UTI, o médico deve estar atento ao início da oferta de aminoácidos nas primeiras horas de vida, pois os prematuros extremos não possuem reservas e entram rapidamente em catabolismo4. Ele é o responsável por coordenar a progressão, tipo, administração, intervalo e melhor tipo de dieta durante todo o período de internação.

O farmacêutico desempenha um papel importante em viabilizar uma solução de aminoácidos que pode ficar estocada na farmácia para agilizar essa prescrição. A avaliação de toda a prescrição de nutrição parenteral pode ser feita e validada por esse profissional, reduzindo o risco de erros e auxiliando a adequar a concentração da solução.

A enfermagem é a responsável direta pela admissão do paciente, obtendo um acesso, de preferência um PICC central, para a administração da nutrição parenteral da forma mais ágil e segura possível. Posteriormente, todos os cuidados referentes à administração da dieta, seja via endovenosa, o posicionamento e cuidados com sondas de alimentação e o posicionamento no colo materno para iniciar a experiência da amamentação deve ser coordenado pela equipe de enfermagem.

A nutrição vai iniciar a avaliação da condição nutricional do paciente, assegurando que a oferta diária seja adequada, colocando os dados antropométricos nas curvas de acompanhamento de crescimento e orientando a mãe no processo de esgota do leite materno.

A psicologia pode realizar a avaliação da mãe quanto as suas expectativas na UTI e reforçar a importância do seu papel na oferta do leite materno sempre que possível, integrando essa mãe aos cuidados na UTI e procurando reduzir sua impotência frente à internação do filho.
Posteriormente, teremos o trabalho da fisioterapia, realizando o posicionamento terapêutico, orientando a estimulação motora e propioceptiva, de forma a desenvolver as habilidades necessárias para a posterior amamentação.

A fonoaudiologia é indispensável para realizar o estímulo e avaliar a eficácia da sucção. Também desempenha papel importante na orientação da mãe no momento perto da alta hospitalar.

Todos esses profissionais podem estar envolvidos nos cuidados canguru, por exemplo, avaliando e acompanhando o posicionamento e permanência no colo materno quando o prematuro estiver em condições clínicas para tal. Também é importante que todos realizem um esforço conjunto ao orientar essa mãe para a alta com antecedência, ensinando-a e assegurando que a mesma tenha capacidade de realizar os cuidados de seu filho em casa. Essa é apenas uma amostra de como o trabalho multidisciplinar realizado de forma integrada enriquece a qualidade do cuidado e influencia positivamente nos resultados.

Outro aspecto importante a ressaltar é a importância do trabalho de estimular a sucção para possibilitar que esse prematuro possa efetivamente sugar o seio materno quando estiver em condições clínicas. Nos primeiros meses de vida, a sucção é a função que deve ser desenvolvida adequadamente para possibilitar a alimentação via oral e desenvolver adequadamente as funções motoras da região oral. Os prematuros extremos, devido à sua imaturidade, não coordenam de forma efetiva a sucção, respiração e deglutição antes de 34 semanas de idade corrigida. Por isso, permanecem muito tempo sendo alimentados via sonda. A estimulação da sucção não nutritiva pode ser realizada com chupeta, dedo enluvado ou seio materno esgotado, durante a administração da dieta pela sonda. Costuma ser iniciada com 32 semanas de idade corrigida e vários trabalhos demonstram que essa estimulação contribui para acelerar a transição da dieta enteral para oral com maior sucesso5. A capacidade de sugar varia individualmente em cada prematuro. Tendo isso em mente, a equipe médica e de enfermagem pode observar diariamente a necessidade que o prematuro extremo apresenta de sugar para se organizar em termos neuromotores e solicitar que a fonoaudiologia avalie o melhor momento para iniciar essa estimulação. Neste aspecto, trabalhos brasileiros demonstram que o dedo enluvado parece ser a melhor forma de estímulo6 e que a sucção não nutritiva facilita a transição para a dieta oral e diminui os sinais de estresse durante a sucção nutritiva7.

Nos últimos anos, o conhecimento sobre o suporte nutricional de prematuros extremos avançou bastante. Os vários “conflitos” dos cuidados para evitar o agravamento de condições comuns em prematuros (displasia broncopulmonar, persistência do canal arterial, enterocolite necrosante) podem acabar resultando em deficiências nutricionais que, até recentemente, eram consideradas inevitáveis. Também avançamos muito na questão de reconhecer que a alimentação nesse período particularmente crítico do bebê, de formação do SNC, tem consequências a longo prazo. Somado a isso, ainda há a questão de diferenciar o acompanhamento de prematuros que nascem com um processo de desnutrição intrauterina (PIG’s) dos que nascem sem essa condição (AIG’s), já que também há diferenças nas consequências em relação ao metabolismo a longo prazo.

Devido ao avanço da medicina neonatal, cada vez mais prematuros chegam a idade adulta. É muito importante definir quais são os riscos cardiovasculares e metabólicos nessa população. Devemos esclarecer quais as influências do padrão de crescimento; da oferta de macro e micronutrientes e do baixo peso de nascimento, bem como da desnutrição intrauterina nos períodos neonatal, da primeira infância e adolescência no perfil metabólico e cardiovascular dos prematuros.

Com o maior conhecimento na área e os avanços nas soluções propostas (melhora na composição da nutrição parenteral, na obtenção de acessos vasculares de maior duração), é possível conciliar esses desafios. Mais importante ainda do que conhecer as inovações, é conhecer a realidade dos pacientes que acompanhamos. Isso passa por um mapeamento da unidade, para conhecermos o perfil de pacientes que atendemos e podermos traçar uma estratégia que seja personalizada para nossa realidade. Adequar os cuidados nutricionais às características dos pacientes atendidos tem sido o caminho buscado pelos serviços, que têm cada vez mais estruturado “bundles” de ações específicas para resolver problemas em sua unidade.

A outra estratégia na qual é imprescindível investir é o aleitamento materno exclusivo. Mesmo em prematuros muito extremos, quando trabalhamos com as mães ressaltando a importância do leite materno na nutrição do prematuro, é possível obter sucesso. Nesse aspecto, mesmo que a velocidade de crescimento físico torne-se um pouco mais lenta, os benefícios a longo prazo em termos de desenvolvimento neuropsicomotor não só compensam, como devem nortear nossos esforços. Durante esse período, é mais importante focar na qualidade da alimentação, buscando beneficiar o desenvolvimento neuropsicomotor, do que no ganho ponderal isoladamente8.

A alimentação deve iniciar o quanto antes e a atuação multiprofissional tem grande valor para agilizar esse processo. Desde que a mãe deu à luz, é possível que a equipe de enfermagem da recuperação obstétrica atue junto a ela para iniciar o estímulo à extração de colostro, por exemplo, que deve ser administrada em quantidades mínimas na mucosa oral de prematuros extremos. Seguindo para a unidade de internação durante o pós-parto, também o trabalho da equipe neonatal é importante para reforçar a importância e iniciar o trabalho de estímulo à produção e extração de leite materno, que será a dieta enteral de escolha para esse bebê.

Durante a chegada na própria UTI, como já descrito anteriormente, as ações conjuntas da equipe médica, de enfermagem, farmácia, nutrição, psicologia vão estabelecer a dieta enteral precoce, a nutrição parenteral adequada, o posicionamento e manutenção de sondas de alimentação quando pertinente, o estímulo do binômio mãe e bebê para obter sucesso na amamentação.

Mesmo em bebês extremo, sabe-se a importância de se iniciar a oferta de colostro e leite materno, por sonda, para que ocorra o estabelecimento de um microbioma mais saudável9. Os estudos demonstram que a microbiota adequada contribui para uma maior tolerância da dieta, reforça o sistema imunológico, contribuindo para fortalecer a integridade e a função de barreira do intestino, bem como o sistema imunológico de forma geral10. Quando é possível priorizar o leite materno ou leite humano de banco e o mesmo é iniciado de forma precoce, com progressão que respeite a tolerância do bebê, de acordo com sua imaturidade ou com as complicações clínicas associadas, conseguimos reduzir a intolerância e ter sucesso na nutrição. Enquanto não estabelecemos a dieta enteral plena, devemos assegurar as necessidades protéicas e oferecer a melhor qualidade nutricional através da nutrição parenteral.

Portanto, é papel do neonatologista prescrever o leite materno ou leite humano de banco como dieta preferencial, da enfermagem oferecer e assegurar a administração correta, observar as intercorrências e discutir com a equipe as alternativas. O papel do nutricionista é indispensável para apoiar essas decisões, coordenando o trabalho da dispensação do leite materno, coordenando o armazenamento e assegurando a biossegurança, apontando o paciente em risco nutricional e sugerindo estratégias para minimizar seus danos. O psicólogo pode trabalhar para dar apoio à mãe e seus familiares, reforçando a importância do vínculo e da sua presença junto ao bebê. Todas essas ações podem ocorrer de forma mais harmônica se o grupo multiprofissional tiver a oportunidade de discutir os cuidados e o plano assistencial em conjunto, de forma sistemática, em forma de um “round” assistencial semanal ou quinzenal, por exemplo.

A desnutrição em prematuros extremos exerce efeitos a longo prazo, sobre o crescimento físico, o desenvolvimento intelectual e possivelmente sobre o perfil metabólico e cardiovascular. A qualidade e quantidade da oferta nutricional diária é de extrema importância, especialmente durante as primeiras semanas de vida, já que a oferta de aminoácidos, calorias e lipídeos via nutrição parenteral estão diretamente associadas ao desenvolvimento posterior. Apesar disso, estudos realizados em diversas UTI’s neonatais refletem que a oferta nutricional deste grupo de pacientes é inadequada 11. As causas dessa inadequação são diversas e parcialmente iatrogênicas. Dependem não apenas das capacidades metabólicas no período neonatal, mas também da disponibilidade e segurança das soluções utilizadas, do tipo de acesso venoso, da rotina de alimentação de cada serviço e do conhecimento da equipe em relação às características e necessidades do perfil de pacientes que está atendendo12.

Quando os impactos negativos da desnutrição que ocorre dentro da UTI tornaram-se evidentes, diversos estudos tentam, até hoje, estabelecer as melhores estratégias nutricionais para esse grupo. Sumarizo algumas dessas recomendações a seguir:

a) a oferta protéica precoce melhora o crescimento de prematuros extremos. É seguro iniciar com infusões intravenosas de aminoácidos entre 2,5-3,5 g/kg/dia o mais cedo possível após o nascimento, avançando até atingir 4 mg/kg/d.

b) início precoce da dieta enteral, de preferência nas primeiras 48h de vida, priorizando a oferta de leite humano ou de fórmula específica para prematuros13 . O leite materno é sempre o melhor para iniciar a dieta enteral. Apresenta melhor tolerância e reduz o risco de enterocolite necrosante (ECN)14. Se a mãe está começando a retirar leite com sucesso e deseja amamentar, considere esperar até 72h para iniciar a dieta enteral com leite materno exclusivo. A oferta inicial deve ser em torno de 20 ml/kg/d (dieta enteral mínima) e aumentada de acordo com as características clínicas e tolerância do RN15.

c) oferta preferencial de leite humano fortificado, especialmente em prematuros de muito baixo peso, assim que estiverem aceitando cerca de 170 ml/kg/d o que poderia ocorrer com cerca de 7 a 10 dias de vida.

d) oferecer fórmula láctea específica para prematuros quando o leite humano não estiver disponível. Costumam conter nutrientes suficientes para possibilitar uma velocidade de crescimento semelhante a do período intra-uterino, geralmente contendo 80-82 kcal/100 ml, além de proteínas, minerais e oligoelementos.

e) a oferta de dieta via sonda gástrica por bomba de infusão contínua ou com mínimo intervalo entre as dietas parece oferecer melhor tolerância e possibilitar uma progressão mais rápida para a dieta enteral plena16. Avanços de 20-30 ml/kg/dia em prematuros com peso 1000g e de 15-25 ml/kg/dia nos menores são razoáveis.
Se fosse necessário resumir a dieta ideal para prematuros em apenas duas palavras, seria leite materno. O leite materno da própria mãe ou leite humano de banco oferece benefícios demonstrados sobre o amadurecimento e melhor tolerância no trato gastrointestinal17, melhora o microbioma intestinal, reduzindo a disbiose do prematuro9, reduz a incidência de sepse tardia e outras infecções18, protege contra a ECN, melhora o desenvolvimento neuropsicomotor19, protege contra doenças alérgicas20 e reduz a incidência e a gravidade da retinopatia da prematuridade21.

Existem diferenças na forma de nutrir o bebê prematuro levando-se em conta o seu peso e idade gestacional. Essas diferenças que ficam cada vez mais evidentes a medida que avançam os estudos na área. Inicialmente, imaginou-se que o mesmo mecanismo da origem fetal das doenças no adulto poderia ser aplicado ao prematuro, já que esses também apresentam baixo peso de nascimento.

Para finalizar, precisamos reconhecer a importância da integração do trabalho de todos os profissionais nos cuidados de prematuros extremos. Devemos sempre somar esforços na busca de resultados melhores. Acredito que juntos podemos mais e na filosofia de “aproximar saberes diferentes para se criar novos conhecimentos”16.

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 Dra. Mariana Gonzalez Oliveira (CRMRS 26142)

 Pediatra, neonatologista, membro do nosso Conselho Científico.

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