O cuidado à saúde da criança, por meio do acompanhamento do desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida, é tarefa essencial para a promoção à saúde, prevenção de agravos e a identificação de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. Este acompanhamento tem dado maior garantia de acesso o mais cedo possível à avaliação, diagnóstico diferencial e a reabilitação, inclusive a estimulação precoce das crianças que necessitem de cuidados especializados. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016).
O desenvolvimento infantil incia-se com a concepção, englobando a maturação neurologia, o desenvolvimento comportamental, físico, cognitivo, sensorial e da linguagem, além do socioafetivo. Tem como efeito tornar a criança capaz de responder às suas necessidades e as do seu meio, considerando seu contexto de vida (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2005). ILLINGWORTH (2013) destaca, ainda, a importância em conhecer os indicadores de risco que possam aumentar a probabilidade de transtornos no desenvolvimento da criança. Entre as condições biológicas de risco para o desenvolvimento infantil estão à prematuridade.
Os efeitos dos fatores de risco podem variar de indivíduo para indivíduo de acordo com as condições biológicas e ambientais. Os fatores de risco aumentam a chance de o indivíduo apresentar atraso no desenvolvimento, o que não garante o prognóstico da excepcionalidade. Assim, o que acentua os efeitos destes fatores são a quantidade e a associação, mais do que a natureza dos mesmos, sendo que o indivíduo nascido prematuramente, com baixo peso, ambiente físico inadequado, pais com baixa escolaridade, tem mais chance de apresentar atrasos no desenvolvimento do que a criança que nasceu prematura, em ambiente físico adequado e com pais de maior escolaridade (Nunes, 1995).
A qualidade dos cuidados que a criança recebe dos pais é de suma importância para o seu desenvolvimento futuro, sendo que o estabelecimento do vínculo é influenciado pelo contato físico pele-a-pele, contato visual e amamentação (KFAUS; KENNEFL, 1982). O acolhimento e o cuidado a essas crianças e as suas famílias são essenciais para que se conquiste o maior ganho funcional possível nos primeiros anos de vida, fase em que a formação de habilidades primordiais e a plasticidade neuronal estão fortemente presentes, proporcionando amplitude e flexibilidade para progressão do desenvolvimento nas áreas motoras, cognitiva e de linguagem (MARIA-MENGEL; LINHARES, 2007).
A qualidade do ambiente familiar e educacional que se pode oferecer à criança, desde seu nascimento, tem efeito posterior nas distintas etapas do desenvolvimento infantil (SHONKOFF; MEISELS, 2000). Um cuidado inadequado pode levar a uma situação de risco ou atraso evolutivo (GURALNICK, 1997). Pensa-se, então, em prevenção em todos os níveis (OMS, 1980): da prevenção primária, antes de qualquer indício de deficiência, risco ou atraso; da prevenção secundária, quando há algum indício de deficiência, risco ou atraso; e da prevenção terciária, que trata de minimizar os efeitos e reduzir ao máximo o transtorno ou deficiência constatada.
A vertente preventiva da Intervenção Precoce é fazer com que as crianças que apresentam transtornos em seu desenvolvimento ou possuem o risco de vir a apresentá-los, recebam a assistência necessária para promover e potencializar o seu desenvolvimento, possibilitando-lhes sua integração no ambiente familiar, escolar e social, assim como sua autonomia pessoal (GAT, 2000). A atenção precoce, por sua vez, não pode ser vista, exclusivamente, sob a vertente da reabilitação, da intervenção psicossocial ou da educação. Todavia, deve fazer parte de um processo integral que tem como fim último o desenvolvimento harmônico de crianças integradas aos contextos em que vivem.
A estimulação precoce pode ser definida como um programa de acompanhamento e intervenção clínico-terapêutica multiprofissional com bebês de alto risco e com crianças pequenas acometidas por patologias orgânicas, buscando o melhor desenvolvimento possível, por meio da mitigação de sequelas do desenvolvimento neuropsicomotor, bem como de efeitos na aquisição da linguagem, na socialização e na estruturação subjetiva, podendo contribuir, inclusive, na estruturação do vínculo mãe/bebê e na compreensão e no acolhimento familiar dessas crianças (Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, 2016, p. 08)
A intervenção preventiva para problemas de desenvolvimento tem espaço desde as primeiras experiências do bebê com a mãe. Esta precisa ser acolhida por profissionais treinados e acompanhada para que possa compreender melhor a condição de nascimento e saúde do seu bebê, entender as capacidades e potencialidades deste, saber como interagir e realizar os cuidados do bebê e manejar os seus próprios sentimentos e pensamentos. Após a alta do hospital, os pais e familiares assumem a função de cuidadores primários do bebê pré-termo, tornando relevante o acompanhamento nos seu diferente marcos desenvolvimentais por profissionais especializados (KLEIN; GASPARDO; LINHARES, 2011).
Bowlby (1995) por sua vez ressalta que grande parte das investigações sobre o vínculo enfatiza a importância dos cuidados maternos e da permanência das mães junto aos filhos durante a hospitalização das crianças, apresentando reflexões sobre a influência e os danos da separação mãe-filho nesse processo.
Todo programa de seguimento da criança de alto risco, para ser bem-sucedido, deverá ser iniciado durante a internação hospitalar. Os prematuros, especialmente aqueles de muito baixo peso, seguem essa regra. Protocolos assistenciais na UTI Neonatal capacitarão e qualificarão o seguimento, e este, por sua vez, responderá com os resultados das práticas adotadas na UTI Neonatal (SILVEIRA, 2012, p. 03).
Já no seguimento ambulatorial do prematuro de risco, mais conhecido como follow-up, devem-se identificar as características de desenvolvimento, auto regulação, temperamento, comportamento da criança entre outros; desta forma é possível orientar os pais e ajudá-los a compreender essas diferenças individuais e dar suporte para que eles aprendam a manejá-las (KLEIN; GASPARDO; LINHARES, 2011). Com este enfoque, as orientações assumem um caráter de intervenção preventiva permitindo evitar a ocorrência de problemas de desenvolvimento e comportamento da criança, protegendo a saúde mental dessas.
[...] o período compreendido entre o nascimento e o final do primeiro ano de vida é considerado como um dos mais críticos para o desenvolvimento infantil. Com isso, é importante a identificação das alterações maternais, fetais e neonatais para planejar ações de prevenção e melhoria da qualidade da assistência prestada às mães, bem como ao RN prematuro durante o período neonatal e ao longo de seu desenvolvimento, sendo fundamental uma assistência multiprofissional humanizada (MANCINI, 2002).
Vale ressaltar por fim, que o programa de seguimento do prematuro não se trata apenas de uma consulta pediátrica habitual. No momento atual, as famílias e a sociedade como um todo, além dos profissionais envolvidos na assistência ao prematuro, entre eles o psicólogo, o fisioterapeuta, o fonoaudiólogo entre outros, devem lembrar que “valorizar o investimento em sobrevida do prematuro implica num pacote de medidas de acompanhamento e supervisão de saúde após a alta da UTI Neonatal” (SILVEIRA, 2012, p. 07).
O acompanhamento do prematuro, de forma supervisionada e interdisciplinar, cobrirá o investimento em sobrevida anteriormente realizado com esses pacientes nas unidades de tratamento intensivo garantindo menores taxas de re-hospitalizações, menor índice de infecções nos primeiros anos de vida dessas crianças, melhores taxas de crescimento e neurodesenvolvimento, adequada inclusão na escola e potencial de aprendizado e inserção na sociedade na vida adulta (SILVEIRA, 2012).
Escrito por Andrea Mendonça G. Matos, psicóloga, especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde, Neuropsicopedagogia e Educação Especial, colaboradora e preceptora do Programa Multidisciplinar de Atenção à Prematuros e voluntária da Associação Brasileira da Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuros – Prematuridade.com
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a três anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor decorrente de microcefalia / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
BOWLBY, J. Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
GAT. Grupo de Atención Temprana. Libro blanco de la atención temprana. Documento 55/2000. Madrid: Real Patronato de Prevención y de Atención a Personas com Minusvalía. Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, 2000.
GURALNICK, M. J. The effectiveness of early intervention. Baltimore: Paul H. Brookes Publishing, 1997.
ILLINGWORTH, R. S. The development of the infant and the young child: normal and abnormal. [s.l.]: Elsevier Health Sciences, 2013.
KLAUS, M. H.; KENNELL, H. J. Assistência aos pais ln: KLAUS, M. H.; FANAROFF, A. A. O alto risco em neonatologia. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1982. (p. 141 -165).
KLEIN, V. C.; GASPARDO, C. M.; LINHARES, M. B. M. Dor, Auto-regularão e Temperamento em Recém-Nascidos Pré-termo de Alto Risco. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 3, n. 24, pp. 504-512, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/prc/v24n3/a11v24n3.pdf. Acesso em: 20 jul. 2017.
MANCINI, M. C. et al. Estudo do desenvolvimento da função motora aos oito e doze meses de idade em crianças nascidas pré-termo e a termo. Arquivo Neuropsiquiatria, v. 60, n. 4, p. 974-980, 2002.
MARIA-MENGEL, M. R. S.; LINHARES, M. B. M. Risk factors for infant developmental problems. Revista Latino-Americana de Enfermagem, [s.l.], v. 15, p. 837-842, 2007.
NUNES, L.R.O.P. Educação precoce para bebês de risco. In: B. Range (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva. 1995. (p. 121-132). Campinas: Psy.
OMS. Organização Mundial da Saúde. Treinando o deficiente na comunidade. Parte A. Caderno I. Guia para organizadores e planejadores. Brasil: Unicef, 1980.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Manual para vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI. Washington, D.C., 2005.
SILVEIRA, R.C. Manual seguimento ambulatorial do prematuro de risco. 1º Ed. – Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Neonatologia, (p. 03-07), 2012.
SHONKOFF, J; MEISELS, S. (Ed.). Handbook of early intervention. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.