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15.09.2014

Prematuros que nascem com menos de 2 kg lutam pela vida nas UTIs


Notícia original publicada em 17 de setembro de 2014.

por Carolina Daher

[caption id="attachment_14972" align="aligncenter" width="620"]Reportagem acompanhou a rotina dos médicos que trabalham para salvar esses recém-nascidos. (Foto: Nereu Jr./Odin) Reportagem acompanhou a rotina dos médicos para salvar esses recém-nascidos. (Foto: Nereu Jr./Odin)[/caption]

Eduarda, 450 gramas. Miguel, 830. Sofia, 1010. Um ao lado do outro, eles lutam pela vida alheios aos fios presos em seu corpo pequenino. No ambiente de luz escassa, não se escuta nenhum choro de bebê, apenas o som agudo dos painéis que monitoram ininterruptamente a pressão, a temperatura e o oxigênio dos diminutos pacientes que ocupam os 24 leitos da unidade de terapia intensiva neonatal do Hospital Vila da Serra. Cada batida do coração é motivo de celebração dentro do centro dedicado a receber recém-nascidos que necessitam de cuidados especiais. Muitos vieram ao mundo antes do tempo, a maioria entre 26 e 32 semanas de gestação (seis e oito meses). Pequenos e frágeis, são bastante diferentes daqueles acomodados nos berçários convencionais. A pele é rosada e bem fina. As mãozinhas e os pezinhos são menores que o dedo mindinho de um adulto. Alguns precisam ficar em uma incubadora a 35 graus de temperatura e 85% de umidificação, em um ambiente quente, úmido e silencioso, como se ainda estivessem no útero materno. “Há trinta anos, não investíamos em crianças que nasciam com menos de 1 quilo. Elas eram inviáveis e só viviam por milagre”, lembra a pediatra Tilza Tavares. “Hoje, com tantos recursos, podemos salvá-las. Isso é uma revolução.”

Tilza faz parte da equipe de sessenta médicos que se revezam no atendimento dos bebês acolhidos pelo Neocenter. Fundado há 22 anos, o grupo surgiu graças à parceria de cinco pediatras que resolveram criar um centro com equipamentos de alta tecnologia para atender os neonatos com algum risco de vida. Na época, os médicos Wagner Neder Issa, Waldemar Henrique Fernal, Oswaldo Trindade Filho, José Sabino de Oliveira e Marcus Angelus Jannuzzi de Oliveira coor­denavam a pediatria em alguns dos maiores hospitais da cidade. “O nosso principal lamento era não conseguir reproduzir nesses locais os resultados que já eram alcançados fora do país”, lembra Issa, coordenador cirúrgico do grupo. O primeiro passo para mudar esse panorama foi alugar a UTI da Maternidade Octaviano Neves, no Santa Efigênia. Começaram com seis leitos. Logo foram convidados a abrir unidades intensivas neonatais e pediátricas nos hospitais Felício Rocho e São Camilo, bem como na Maternidade Santa Fé. Em 1999, criaram o Instituto Materno-Infantil Hospital Vila da Serra. Atualmente, o Neocenter é a maior rede dedicada a prematuros e bebês em risco da capital e uma das principais do país. Está no mesmo patamar de algumas das melhores maternidades do mundo, segundo a consultoria americana Vermont Oxford, especializada no ramo. O grupo conta com 140 leitos, sendo oitenta neonatais e sessenta pediátricos. Em fevereiro de 2015, esse número chegará a 180. No fim do ano passado, o Neocenter arrendou o Hospital Santo Ivo, até então administrado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Com um investimento de 10 milhões de reais, os seis andares do prédio estão em reforma para abrigar uma maternidade habilitada a atender neonatos e mulheres com gravidez de alto risco. De acordo com Fernal, mais de 60% dos chamados nascimentos pré-termo são decorrentes da pré-eclâmpsia, doença autoimune que ocorre, normalmente, no último trimestre da gravidez e faz com que a pressão da gestante aumente e ela perca proteína na urina. “É preciso interromper a gravidez, já que mãe e filho correm risco de vida.”

Foi o que aconteceu com a cirurgiã-dentista Mara Elaine Alves, grávida de gêmeos. No dia 27 de julho, ela teve de ser submetida a uma cesárea na 29ª semana. Ana Clara nasceu primeiro, com 1 640 gramas. Já Arthur pesava apenas 865. “É muito angustiante. No início, passava os dias vigiando os monitores e entrava em pânico com qualquer alteração”, lembra Mara, que depois de 63 dias conseguiu levar seu menino para casa. Ana Clara continua internada, pois ainda precisa da ajuda do oxigênio para respirar. “Assim que chego à UTI repito a mesma frase para a minha filha: ‘Melhore logo porque seu irmãozinho está esperando’”, diz. A rotina é pesada por ali. A cada plantão, quinze profissionais se desdobram para atender a todas as necessidades dos pequenos pacientes. De três em três horas, eles recebem 2 mililitros de leite - a metade de uma colher de chá. Nesse ritmo, podem ganhar cerca de 20 a 30 gramas por dia. “Nossa luta é transformar gramas em quilos”, afirma a coordenadora de enfermagem Aline Gonçalves de Azevedo. Para o médico Marcus Angelus Jannuzzi de Oliveira, é preciso estender os cuidados também aos pais, que estão vivendo uma maratona emocional. “Quem trata prematuridade é o tempo. Nosso desafio é conseguir reproduzir de forma artificial as condições que o bebê encontraria no útero”, explica. Mesmo com tantos recursos e avanços da medicina, nem sempre as histórias têm final feliz. Foi o caso do pequeno Miguel. O casal Renata e Juliano Amaral passou quase cinquenta dias dentro da UTI do Vila da Serra vigiando cada segundo do filho, que, no último sábado (6), não resistiu e morreu. “Ele estava nos meus braços quando se foi, mas senti que ficou em paz”, diz, emocionado, Amaral.

[caption id="attachment_14973" align="aligncenter" width="620"]Por dentro da UTI: ao lado, a equipe do Neocenter monitora os dados vitais dos bebês; abaixo, os fundadores José Sabino de Oliveira, Waldemar Henrique Fernal, Marcus Jannuzzi de Oliveira, Oswaldo Trindade Filho e Wagner Neder Issa. (Foto: Nereu Jr./Odin) Por dentro da UTI: ao lado, a equipe do Neocenter monitora os dados vitais dos bebês; abaixo, os fundadores José Sabino de Oliveira, Waldemar Henrique Fernal, Marcus Jannuzzi de Oliveira, Oswaldo Trindade Filho e Wagner Neder Issa. (Foto: Nereu Jr./Odin)[/caption]

Uma das experiências mais marcantes para toda a equipe foi cuidar do menor bebê prematuro do país, Carolina Terzis, que nasceu na 25ª semana de gestação com inacreditáveis 27 centímetros e 360 gramas. Ela foi a única brasileira a sobreviver com menos de 400 gramas no nascimento. “Carolina chegou a pesar 290 gramas”, conta Débora Francione Oliveira Silva, coordenadora de enfermagem do Vila da Serra, onde a bebê passou seus primeiros 150 dias de vida. Hoje, aos 2 anos, pesa 10 quilos, mede 84 centímetros e é louca pela porquinha Peppa.

Além de casos de doenças congênitas ou más-formações, algumas enfermidades são típicas dos prematuros, como insuficiência respiratória, problemas intestinais e infecções em geral (leia aqui). Um das mais perigosas é a hemorragia intraventricular, que ocorre dentro ou ao redor do cérebro e é atribuída diretamente à imaturidade das estruturas dos vasos sanguíneos. Em graus III e IV são mais graves e podem resultar em danos cerebrais severos. “Costumo dizer aos pais que a melhor coisa é quando o médico não tem nada para falar com eles”, diz Oliveira.

A assistente social Elisete Luiza de Oliveira Dutra não faz conta de quando vai conseguir colocar Eduarda em seu bercinho. E não tem pressa. “Ela vai para casa quando estiver bem”, diz Elisete, que estava grávida de gêmeas, precisou passar por uma cesárea de urgência na 24ª semana de gestação, quando uma das bolsas estourou. Emanuely não resistiu e morreu logo depois do parto. “Mas a Duda está aí, e é a minha vitória”, emociona-se ela, que já tinha perdido outros nove bebês. Há 110 dias, Elisete acompanha cada pequena batalha vencida por Duda, hoje com 1,9 quilo. “Não tenho receio quanto a sequelas. O que vier não será obstáculo para quem já venceu a morte tantas vezes.” No Neocenter desde a sua fundação, a médica Renata Maria Ada Ditta já ajudou mais de 7 000 crianças a deixar a UTI. “Apesar de termos um carinho imenso por essas famílias, o que mais torço é para que elas esqueçam que um dia estiveram aqui”, afirma. É nesse momento, quando se cruza a porta do hospital, que a vida - tão desejada - renasce.

[caption id="attachment_14974" align="aligncenter" width="620"]Cada batida do coração é motivo de celebração dentro do centro dedicado a receber recém-nascidos que necessitam de cuidados especiais. (Foto: Nereu Jr./Odin) Cada batida do coração é motivo de celebração dentro do centro dedicado a receber recém-nascidos que necessitam de cuidados especiais. (Foto: Nereu Jr./Odin)[/caption]

Um mundo bastante delicado
Conheça alguns cuidados que se devem ter com os prematuros e equipamentos desenvolvidos especialmente para eles

› O cateter mais fino é da espessura de um fio de cabelo

› A touquinha usada nos minipacientes cabe em uma bola de tênis

› A chupeta é do tamanho de uma moeda de 1 real

› Na primeira hora de vida, o bebê recebe 1 mililitro de leite materno. Depois, a cada três horas, ele é alimentado com 2 mililitros, que ajudam no desenvolvimento do intestino

O Coração dispara com a voz da mãe
A professora Alessandra Alves Mendes, de 37 anos, diz que Bryan é o motivo que a faz levantar todos os dias da cama. Grávida de gêmeos, ela acabou perdendo um dos meninos, Yan, na 26a semana de gestação. Bryan nasceu em 16 de agosto, um mês depois do aborto. “Foi um pesadelo, mas sabia que precisava me manter firme pelo meu filho”, afirma Alessandra. Ela tem certeza de que o pequeno, que veio ao mundo com 1,3 quilo, já a reconhece. “Seus batimentos cardíacos aumentam sempre que ele escuta a minha voz.”

[caption id="attachment_14975" align="aligncenter" width="620"]Carol desafiou as estatísticas e é exemplo de força de vontade para a família. (Foto: Nereu Jr./Odin) Carol desafiou as estatísticas e é exemplo de força de vontade para a família. (Foto: Nereu Jr./Odin)[/caption]

A menor do Brasil
A psicóloga Alexandra Terzis, de 35 anos, e o mecânico Thiago Fernandes, de 34, estão só esperando a filha Carolina dar os primeiros passos. Aos 2 anos de idade, ela surpreende o casal desde o dia em que chegou ao mundo. “Nada é impossível”, afirma Fernandes. Carol é considerada o menor bebê prematuro do país: nasceu com apenas 25 semanas, pesando 360 gramas e medindo 27 centímetros. Ficou mais de cinco meses dentro da UTI do Hospital Vila da Serra entre a vida e a morte. “Ela foi desenganada várias vezes pelos médicos”, lembra Alexandra. A menina, no entanto, desafiou as estatísticas e hoje, com 10 quilos e 84 centímetros, é exemplo de força de vontade para a família. Carol tem uma rotina puxada de atividades: faz fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, além de visitas regulares a especialistas como o neurologista e o oftalmologista. “Meu maior sonho é que ela viva como as outras crianças, que possa andar, falar e brincar”, afirma o pai, enquanto mostra orgulhoso que sua pequena já consegue ficar de pé.

[caption id="attachment_14976" align="aligncenter" width="620"]"Estou acostumada a cuidar dos outros, mas, quando vi a minha filha tão frágil, me senti a pessoa mais impotente do mundo", diz a mãe. (Foto: Nereu Jr./Odin) "Estou acostumada a cuidar dos outros, mas, quando vi a minha filha tão frágil, me senti a pessoa mais impotente do mundo", diz a mãe. (Foto: Nereu Jr./Odin)[/caption]

De médico a acompanhante
O cirurgião e intensivista Leonardo Lacerda de Carvalho, de 34 anos, perdeu a conta de quantas madrugadas passou em claro estudando tudo o que poderia acontecer com Letícia, sua primeira filha, que nasceu aos 7 meses com 1,1 quilo. “Eu ia para casa e me debruçava sobre a literatura médica, tentando prever o que viria pela frente”, lembra ele, que tirou férias para ficar ao lado da pequena. Carvalho, que trabalha em uma UTI para adultos em Betim, diz que hoje entende muito mais a ansiedade dos familiares dos seus pacientes. “Agora compreendo por que eles perguntam a mesma coisa cinco, seis vezes. Quando se está nessa situação, se quer respostas”, diz. A mãe, Isabela Rezende Xavier, de 33 anos, também trabalha na área médica. É enfermeira. “Estou acostumada a cuidar dos outros, mas, quando vi a minha filha tão frágil, me senti a pessoa mais impotente do mundo.”

[caption id="attachment_14977" align="aligncenter" width="620"]A mãe ficou grávida sete vezes e em todas elas, a gestação foi interrompida depois da vigésima semana. Os bebês, nove ao todo, não sobreviveram, até a chegada de Duda. (Foto: Nereu Jr./Odin) A mãe ficou grávida sete vezes e em todas elas, a gestação foi interrompida depois da vigésima semana. Os bebês, nove ao todo, não sobreviveram, até a chegada de Duda. (Foto: Nereu Jr./Odin)[/caption]

Uma vitória de 450 gramas
Desde 2001, a assistente social Elisete Luiza de Oliveira Dutra, de 43 anos, sonhava em ser mãe. Ficou grávida sete vezes - em todas elas, a gestação foi interrompida depois da vigésima semana -, e os bebês, nove ao todo, não sobreviveram. “Só desistiria da maternidade se não tivesse útero”, afirma ela, que, grávida de gêmeas, precisou ter a gestação interrompida na 24ª semana, quando a bolsa rompeu. Emanuely não resistiu e morreu logo após o parto. Já Eduarda, que chegou ao mundo no dia 28 de maio com apenas 450 gramas, há mais de 100 dias vem lutando bravamente pela vida na UTI do Vila da Serra. “Duda é a minha vitória”, emociona-se. Moradora de Contagem, Elisete percorre mais de 40 quilômetros para passar os dias ao lado da pequena, que atualmente pesa 1,9 quilo.

[caption id="attachment_14978" align="aligncenter" width="620"]"Não existe uma rotina, é um dia depois do outro." (Foto: Nereu Jr./Odin) "Não existe uma rotina, é um dia depois do outro." (Foto: Nereu Jr./Odin)[/caption]

O "obeso da turminha"
“Não existe uma rotina, é um dia depois do outro.” É assim que a nutricionista Tamara Jacques Sadaka Fernandes, de 33 anos, encara o cotidiano de altos e baixos dentro da UTI. Ela é mãe de Davi, que nasceu na 29ª semana de gestação, com 1,3 quilo e 36 centímetros. Em pouco mais de um mês, ele já ganhou quase 500 gramas. “Brinco que ele é o obeso da turminha.” Todos os dias, a mamãe passa das 9 às 22 horas ao lado do filho, acompanhando os cuidados da equipe, como o da técnica de enfermagem Helenice do Carmo. “O meu maior sonho é sair daqui, chegar em casa, colocar meu pijama e poder dar o peito ao Davi. Só nós dois.”

[caption id="attachment_14979" align="aligncenter" width="620"]Mara teve gêmeos e agora se divide para atender às necessidades dos dois, a filha no hospital e o menino em casa. (Foto: Nereu Jr./Odin) Mara teve gêmeos e agora se divide para atender às necessidades dos dois, a filha no hospital e o menino em casa. (Foto: Nereu Jr./Odin)[/caption]

”Seu irmãozinho está esperando”
Todos os dias quando chega à UTI do Vila da Serra, a cirurgiã-dentista Mara Elaine Alves, de 41 anos, repete uma frase no ouvido da filha, Ana Clara: “Melhora logo, porque seu irmãozinho está esperando”. Mara teve pré-eclâmpsia - doença que aumenta muito a pressão arterial da mulher, pondo sua vida e a do bebê em risco - e precisou fazer uma cesárea de urgência na 29ª semana de gestação. Ana Clara nasceu primeiro, com 1,6 quilo. Arthur, com 865. “Ele se desenvolveu mais rápido e pode ir para casa depois de 63 dias internado”, diz ela, que agora se divide para atender às necessidades dos dois. Suas manhãs são no hospital com Ana Clara. Às tardes, o colo é todo de Arthur, que já estreou seu berço.

Fonte: Veja BH

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