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14.02.2014

Mães de UTI relatam rotina de dor, luto e esperança pela alta do filho


Notícia original publicada em 13 de fevereiro de 2014.

Maria Fernanda Ziegler -iG São Paulo

Na festinha de um ano de Vinícius, no calourento dia 29 de janeiro, teve bolo, parabéns e o aniversariante estava fantasiado de super-homem. Seria uma festa comum, como tantas outras, se a comemoração não fosse em uma UTI neonatal de alta complexidade. Pais, médicos, enfermeiros e até mesmo o pastor, que foi abençoar o menino, se emocionaram.

No bercinho à direita, Pedro Henrique, de apenas quatro meses, participava de sua primeira festa e vestia um macacão do Incrível Huck. O pequeno João, também vizinho de berço de Vinícius, estava com uma roupinha de homem-aranha. A liga dos super-hérois estava formada na UTI do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

[caption id="attachment_11633" align="aligncenter" width="652" caption="Foto: Arquivo pessoal"][/caption]

Renata Ribeiro de Matos, 40 anos, mãe de Vinícius, afirma que era mesmo preciso comemorar a vitória de um ano de vida do menino que nasceu com uma série de má formações que acarretaram em problemas sérios no coração, no pulmão e no cérebro, além de lábio leporino.

Ele também teve de operar uma hérnia diagragmática, uma má formação no diafragma que permite que o conteúdo do intestino, do fígado e do estômago passe para o interior do tórax. A hérnia, que tem incidência de um para cada 2.500 nascidos vivos, foi detectada já no primeiro ultrassom de Renata. Quando Vinícius nasceu, foi direto para a UCINE (Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal), no HC.

Desde então, há um ano, Renata sai de Parada de Taipas, bairro na periferia da capital paulista, e vai ver o filho no hospital em Pinheiros, zona Oeste. “De carro dá 40 minutos, mas de ônibus preciso pegar duas conduções e demoro muito mais que o dobro do tempo”, diz a ex-manicure, que chegou a trabalhar meio período depois que o filho nasceu. Mas decidiu parar quando percebeu que ficava com a cabeça ligada no menino e não se concentrava no ofício.

A rotina de Renata consiste em chegar na UTI todos os dias à tarde, perto das 15h, e só voltar para casa depois da novela que não assiste, cerca de 22h. Durante seu turno de mãe de UTI, ela conversa com o filho, que nunca abriu os olhos, e também ora. Faz carinho no rostinho, mexe nos ombros e nos pezinhos do menino. Tudo ditado pelo ritmo compassado do barulho dos aparelhos ligados a ele.

"Quando eu vou embora, nunca digo tchau. Digo ‘até amanhã, a mamãe volta logo, viu?’. Sei que ele fica bem quando eu estou por perto. Fica mais confiante e sente o meu amor por ele”, diz a mãe do menino grandão, com uma cicatriz entre os peitos, vestígio da operação cardíaca que fez quando tinha quatro meses. Ele tem ainda outra marca horizontal abaixo do umbigo, por conta da hérnia diafragmática.

Vinícius mantém o rosto sereno enquanto mexe o corpo inteiro com força, como se fizesse um abdominal. É o ar que entra rápido e barulhento pela traqueostomia. A impressão que dá é que o menino sabe da importância destes “abdominais” para se manter vivo.

O incrível Hulk está sarando

[caption id="attachment_11634" align="alignleft" width="316" caption="Foto: Maria Fernanda Ziegler/iG"][/caption]

Tamara Leite, 23 anos, também nunca diz tchau para o filho. Solteira, ela decidiu morar no hospital e acompanhar de perto a batalha Pedro Henrique. Hoje com quatro meses, o bebê se recupera de uma infecção generalizada que o deixou com uma coloração esverdeada, que aos poucos está sendo amenizada.

Pedro Henrique nasceu com gastrosquise, uma má formação no intestino. “É uma abertura no abdômen que deixa o intestino para fora, por isso meu filho não consegue evacuar sozinho”, explica a moça que pesquisou a fundo a doença do filho com médicos, comunidade de mães na internet e observando a conversa dos enfermeiros.

"Não planejei nada e veio tudo", diz bem humorada a mãe por acaso. Já no primeiro ultrassom soube que seu filho teria complicações. Auxiliar de uma clínica de ortodontia na Mooca, zona Leste, ela economizou dinheiro e avisou os chefes que mais cedo ou mais tarde teria de parar o trabalho.

O nascimento foi prematuro, após 28 semanas de gestação. Tamara chegou no Hospital das Clínicas com oito centímetros de dilatação. Teve o bebê em menos de meia hora. Olhou para o obstetra bonitão de nome Pedro e sentiu que, mesmo com todo o prognóstico de Pedro Henrique, a coincidência dos nomes poderia ser auspiciosa. De fato, o menino está sarando.

Já se passaram quase quatro meses do parto e os pés inchados de Tamara denunciam o longo período dormindo na poltrona ao lado do berço. “Aqui a gente não dorme, só cochila", diz. Ela passa horas olhando para o monitor cardíaco ligado ao filho. O olhar vai longe e por um minuto é tomado por lágrimas que se desfazem rapidamente pelo rosto. É o modo pragmático de Tamara lamentar a situação do filho.

Por conta da infecção generalizada, o menino quase morreu. No dia 27 de dezembro foi entubado. “Ele piorou muito, o ventilador estava a 44, o que é muito rápido e significa que as coisas não estavam bem para ele. Além disso, tinha 15 bombas [infusoras] ligadas a ele”, conta mais técnica que qualquer profissional de saúde.

O quadro não era bom mesmo e Tamara, que gosta de saber e ter o controle de tudo, entregou para Deus e confiou no poder de superação do próprio filho. “Pensei assim: ‘agora a gente não tem mais nada para fazer’. Ele tem que reagir sozinho. No fim de janeiro a ventilação dele foi para 21 e eu sei que é o mínimo necessário. Um dia depois, ele foi desentubado. Está muito melhor e só tem duas bombas [infusoras]”, diz.

Escute os mais velhos
Depois de Renata, Tamara é a mãe mais velha da UTI - o termo não se refere à idade, mas ao tempo de UTI. Ela sente o peso da responsabilidade: “têm sete mães de bebês com gastrosquise. Eu sou a mais velha. Trocamos muitas informações e experiências", conta.

Quem coordena tantas mães, bebês e médicos é a sorridente pediatra Maria Esther Jurfest Rivero. Certamente é a "mais velha" dali. Está há 33 anos trabalhando entre UTIs e berçários. Tenho de ser profissional e deixar a emoção de lado, mas quando eu chego em casa demoro horas para dormir pensando nos bebês e no tratamento que eles estão recebendo”, diz.

A UTI neonatal, que recebe os casos mais complexos do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo, tem 20 leitos e 13 bebês sendo atendidos. A maioria da crianças sai dali direto para casa. “As mães são incríveis, mas os bebês são mesmo uns heróis. Trabalhei alguns anos também na UTI de adultos. Eles morriam. Os bebês lutam muito para viver. Isso é muito emocionante de ver", diz.

Às vezes, no entanto, a doença vence. Foi o que aconteceu no último domingo, 9 de fevereiro. Naquele dia, as crianças estavam todas chorosas. Pareciam saber que algum deles não iria resistir. Passava um pouco das 16h quando Vinícius, o aniversariante, morreu. Quando ele parou de respirar, as crianças pararam de chorar. A UTI ficou de luto, em um silêncio absoluto.

"Foi tentado de tudo, mas ele não suportou mais. Agora ele vai descansar", diz Renata, que estava ao lado do filho, como sempre esteve nos 373 dias de vida do menino. Ela agora segue o destino de seu nome e tenta nascer outra vez após. Antes de Vínicius, ela teve que superar a dor de três abortos. "Sei que foi melhor assim, mas confesso que estou sem chão, sem saber o que fazer e como retomar a minha vida".

Na segunda-feira, o sentimento das mães de UTI era de uma melancolia contida, daquela que tenta mas felizmente não consegue aplacar a esperança, inclusive estatística, de ver o filho saindo com vida dali. Enquanto isso, na periferia da cidade, Vinicius era enterrado vestido com a fantasia de super-homem.

Fonte: Minha Vida

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