17 de Janeiro de 2017

Os amados Helena e César

"Que bom achar um lugar onde eu possa dividir minha história, com a esperança de que eu possa ajudar alguém.

Tive uma gestação gemelar de surpresa. No primeiro ultrassom nos foi dito que eram gêmeos e o choque, confesso, durou uns dois meses. A cabeça da gente pira pensando em números, trabalho dobrado, fraldas, cuidados, riscos da gestação, etc. E demora até que possamos ver a parte boa: dois de uma vez só, numa única gestação!

Minha gravidez fisicamente foi excelente: não tive nenhum sintoma (nada de enjoo, desejos, cansaço, sono, nada). Porém, o universo ao meu redor parece ter explodido em um novo Big Bang. Após o susto de descobrirmos gêmeos, meu esposo perdeu o emprego. Nem preciso dizer o pânico que foi. Duas semanas depois meu pai foi diagnosticado com câncer. Uma semana depois, descobri que minha menina teria FLP (fenda lábio palatal). Essa, de todas, foi a notícia mais devastadora. A FLP é uma má formação muito comum, soube depois que 1 em cada 600 crianças (muitíssimo) nascem com alguma má formação de FLP. Um novo universo de informações e providências precisavam ser tomadas para receber aquele bebezinho que exigiria tantos cuidados. E... gêmeos! Helena e César, pois ainda tinha que pensar no meu menino lindo.

Aos 5 meses, tivemos que fazer um exame de punção para descartar outras síndromes possíveis na menina. Foram os dias de espera mais agoniantes até então. Com a benção de Deus, nada além da FLP nos esperava. Durante todo o restante da gestação nos dedicamos a entender, estudar e conhecer pessoas e profissionais incríveis no universo da FLP. Assim o fizemos. Meu esposo conseguiu o tão esperado emprego aos 7 meses de gestação.

Com oito meses, meu filho peludo, nosso York Nano, precisou passar por duas cirurgias na pata. Trabalho extra dobrado e, talvez pelo stress e esforço físico, a bolsa do menino rompeu. Achei que, mesmo com a prematuridade, 33 semanas era um tempo razoável para gêmeos, melhor do que eu esperava.

O parto foi sensacional e as crianças foram direto para a UTI (muitos médicos de outros hospitais hoje questionam se deveriam ou não ter ido pra UTI já que nasceram bem e com bons pesos - ele com 1,7kg e ela com 1,8kg). Na hora que vi a menina, todos os meus medos por conta da FLP desaparecem, e aquela boquinha miúda e rasgadinha eram mínimas perto da imensidão de amor naquele bebê.

Infelizmente, os dois pegaram por volta do 7o dia uma infecção hospitalar por uma bactéria popularmente conhecida como "diabo louro". A taxa de mortalidade é de 80%. Sempre tive absoluta certeza de que passariam por isso, já que estavam em um bom hospital e com remédios adequados. Até que minha menina, que nasceu maiorzinha e mais pesadinha, começou a piorar. No décimo dia, minha menina se foi. Pedi a Deus que a poupasse e fizesse o melhor para acabar com o sofrimento dela - eu a vi de forma que jamais gostaria de ver - fosse pela cura, fosse pela Morada. Certamente, foi o pior dia de minha vida. Perder um filho, sem dúvida, é o pior que uma pessoa pode passar.

Meus amigos e parentes ajudaram demais com tanto amor e oração. Nessa hora a gente descobre, com sorte, o quanto é amado e quão generosa as pessoas podem ser, ou não. Ficamos de pé pela força deles e pelo ideal de fazer o menino sair o quanto antes daquele hospital. Alguns dias depois, soube de uma bebê que havia nascido na comunidade onde uma instituição que ajudamos está estabelecida. Fazia frio e chuva no meio do ano e soube que a nenê estava dormindo no chão do barraco. Pedi ao meu pai que fosse em casa desmontar o berço. Separei todo o enxoval dela com amor e levamos em doação pessoalmente na instituição. Nunca vi a criança, mas emanei todo o amor que eu daria à minha nenê à ela, certa de que essa seria a primeira lição que daria à minha filha: caridade. As pessoas vinham me perguntar se eu estava me cuidando, se eu estava bem da cesária. Eu dizia a elas que mães com filhos na UTI não tem o luxo de "curtir a dor", fazer repouso, não se estressar. Eu então, com 10 dias estava enterrando minha filha, tirando leite pro meu filho e visitando-o na UTI. Três dias depois do ocorrido, meu esposo foi novamente demitido em um corte geral da empresa. Até hoje, não se recolocou.

Após um mês, um dia antes de completar-se desaniversário, ele teve alta. Hoje, após 5 meses, ainda tenho dor. Dor na alma, por ter perdido minha filha. Mas com pleno entendimento que deve ter sido o melhor pra ela. Em momento algum eu me agarrei a ela a qualquer custo, menos ainda se sua qualidade de vida, após diversas paradas respiratórias e baixíssimos índices de saturação. Penso que amor é isso. É respeitar o outro a ponto de libertá-lo. De querer mesmo o melhor, incondicionalmente. Posso dizer que aprendi demais. Sofri demais, chorei demais, mas estar de pé é o melhor presente e honra que posso dar à minha filha. A dor jamais irá curar, mas o sofrimento posso optar por não postergar.

Conto minha tão recente história com emoção, na esperança de jogar luz a problemas mais ou menos graves que alguém possa estar passando. Tive de voltar a trabalhar pois meu esposo ainda está desempregado. Ele ficou com o nenê em casa. Isso também foi fora do planejado, pra coroar com chave de ouro e, espero, encerrar essa fase de duros aprendizados.

Minha lição é: há vida. Continuem. Sejam levados pela força da vida, por pior que ela esteja. Não desistam."

(relato da mamãe Carolina, enviado em 2014)

Responsabilidade do conteúdo por conta do autor, não reflete o posicionamento da ONG. Não nos responsabilizamos pela veracidade dos fatos.

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