25 de Novembro de 2013
A UTI não precisa ser um momento de tristeza
“Arthur, Anselmo e Leonardo nasceram com apenas 28 semanas. Nasceram pesando aproximadamente 1 kg, cada um. É claro que eu queria que eles tivessem nascido com mais tempo gestacional e não tivessem precisado da internação na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), mas o período de UTI neonatal me trouxe preciosos aprendizados. O principal deles é que hospitais e UTIs não precisam ser locais de tristeza, muito pelo contrário, podem ser locais de esperança e alegria diária.
Habituada a realizar registros de tudo, logo comprei um caderninho comum na papelaria e comecei a relatar numa espécie de diário resumido o progresso, os sustos, enfim, os relatos que recebíamos diariamente dos médicos e enfermeiras. Descobri na prática o quanto cada grama faz diferença, cada milímetro a mais de leite, a importância de equipamentos como o CPAP (Continuous Positive Airway Pressure) que os auxiliava na respiração, as sondas e acessos, ou seja, cada etapa de evolução.
Quando os meninos completaram 1 mês de vida e, portanto, 1 mês de UTI, maquiei-me e levei um bolinho com vela e chapeuzinhos para todos os pais e enfermeiras da UTI. Foi nesse momento que percebi, pela primeira vez, como boa parte das pessoas não viam a UTI como um período de esperanças, como um espaço de alegrias e conquistas. Todos celebraram conosco e praticamente toda a maternidade nos perguntavam se havíamos recebido alta. Era como se não pudessem compreender tanta alegria em meio a um momento de internação. Em meio ao desgaste psicológico e ao esgotamento físico causado pelo plantão diário no hospital, ainda havia o sofrimento por ter cada vez menos leite produzido, somado ao receio de “secar”.
Após o evento e com a cumplicidade aumentando entre nós, pais da UTI, uma mãe confessou a mim que um dia já a incomodara ver minha alegria ao chegar. Era como se eu não estivesse indo a uma UTI, onde os meus filhos sofriam e lutavam pela vida. Hoje nós somos bastante amigas e foi nesta primeira conversa que ela confirmou o porquê da minha postura ser outra. Era sim uma grande alegria o momento de ver os meus filhos, de poder transmitir a eles toda a minha confiança, esperança. De mostrar a eles que eu estava com eles e que a luta era nossa. Não minto quando digo que jamais me passou pela cabeça que algum deles poderia não resistir. Eu simplesmente ignorava tal possibilidade e até fiquei surpresa quando ouvi por várias vezes me falarem “que bom que os três sobreviveram”. Era ali, na experiência da UTI, que a cada dia eu me transformava em mãe.
Quando escrevo que a UTI não precisa ser um local de tristeza, de modo algum quero diminuir o sofrimento de uma família que perdeu seu bebê na UTI, mas quero apresentar uma postura de gratidão aos profissionais da UTI que lutaram para que isso não viesse a acontecer. Também a família que acreditou e torceu por um desfecho feliz. A UTI é uma esperança de vida, mas não garantia de vida. Para algo nos acontecer ou acontecer a quem amamos, basta estarmos vivos. Hoje reflito bastante sobre a morte e a perda, após o falecimento do meu pai – a maior dor que senti na vida – e a conclusão a que cheguei é que para a família realmente não há consolo e que procurar culpados ou se culpar não trará ninguém de volta. Aceitar a morte é uma libertação. É valorizar a vida.
Meus meninos nasceram em 02 de agosto de 2008. Mas somente pude pegá-los no colo após 1 mês, antes apenas colocava minhas mãos por aberturas na incubadora. Minha primeira tentativa de amamentação aconteceu apenas em 10 de setembro e apenas para dois deles. O Leonardo eu só pude tentar amamentar no dia 21 de setembro, 1 semana após o Anselmo já ter vindo para casa e 5 dias após o Arthur também ter recebido alta. Na primeira noite do Anselmo em casa, meu marido não dormiu. Ficou de plantão ao lado do berço. Segundo ele não tinha nenhum aparelhinho para avisar se o bebê passasse por alguma dificuldade respiratória. Era mesmo até estranho ter nosso bebê ali sem nenhum equipamento emitindo sons e mostrando batimentos cardíacos. No mesmo dia em que o Arthur e o Anselmo realizavam a primeira consulta ao pediatra, o Leonardo era diagnosticado com a terceira bactéria e retornava ao CPAP. Pequenos derrames. Transfusão. Mais do que nunca ele precisava da minha alegria e esperança. Um dos melhores dias da minha vida? 7 de outubro de 2008. Dia em que o Leonardo finalmente veio para casa, após 67 dias de UTI.
No dia 22 de outubro liberamos as visitas em casa. Neste dia eles completariam o tempo gestacional. Ufa! Vida normal? Mas o acompanhamento aos meus pequenos estava apenas no início. Licença-maternidade de apenas 4 meses e eu me virando do jeito que podia, trabalhando home office parte do tempo e administrando a apertada agenda médica que tem a mãe de um prematuro. Sorte a minha eu poder trabalhar parte do tempo home office. A maioria das mães não encontra esta oportunidade. Mas vale muito a pena tanta dedicação. É muito importante realizar adequadamente todo o acompanhamento necessário. Os progressos são mais que gratificantes. Vivi o ano mais intenso e mágico da minha vida.
Hoje estes meninos que foram responsáveis por uma verdadeira transformação na minha vida e, especialmente, no meu ser, já estão com 5 anos de idade. E todos os momentos datados que descrevi acima estão registrados naquele caderno, o mesmo caderno que registrou as 2 cirurgias pelas quais o Arthur passou, o episódio de afogamento após amamentação que quase tirou a vida do Leonardo aos 3 meses, as primeiras palavras, o início do engatinhar, do sentar, do andar de cada um, o acompanhamento de crescimento e peso.
Por isso, se existem várias dicas que posso compartilhar com as mamães e papais que estão com bebês internados, na minha opinião estas duas são as principais: fazer da UTI um momento apenas de passagem, de celebração a vida, e registrar tudo, com fotos, vídeos, anotações. Não são necessários cadernos sofisticados ou aplicativos elaborados para celulares e computadores; uma caderneta e uma caneta são suficientes. Uma ou duas linhas nos dias mais marcantes é o que basta para se ter registrada a história deste momento único, e que, no futuro, vocês dirão que passou muito rápido.
Cristiane, mãe do Arthur, do Anselmo e do Leonardo
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