Arthur Teixeira, 32 semanas e 575 gramas (190 gramas a mais do que pesava o menor bebê nascido no Brasil |
Ok, notícia antiga. Mas tudo que envolve o universo prematuro é válido saber. Além do mais, a matéria traz histórias reais e muitos equipamentos e técnicas citadas ainda são amplamente utilizadas hoje em dia nas UTI's Brasil afora. Vale conferir!
Revista Veja - 27/12/06
Impressão do pé de Arthur, o menor bebê do Brasil, ao nascer: 3,7 centímetros de comprimento, pouco maior que o diâmetro da moeda de 1 real |
Algumas conquistas foram fundamentais para que Arthur e outros prematuros tivessem chance de sobrevida:
• A cardiologia neonatal evoluiu admiravelmente e hoje permite operar o coração de um bebê em uma cirurgia de apenas 45 minutos. Antes disso, prematuros que não estavam com o coração totalmente pronto para funcionar não tinham chance de sobreviver.
• A partir da década de 80 foi possível produzir em laboratório uma substância chamada surfactante, secretada pelo organismo e que permite a expansão dos pulmões. Pela falta dela, a grande maioria dos prematuros morria asfixiada. Agora é possível injetar o agente diretamente nos pulmões do recém-nascido.
• Houve uma grande proliferação de equipamentos modernos, como o saturímetro, que possibilita medir a oxigenação sanguínea através de um sensor conectado na pele do bebê. Isso fez com que se diminuísse a quantidade de sangue retirada do prematuro para exames.
• Ocorreu uma mudança no tipo de contato com os bebês, que agora são manuseados o menos possível e mantidos num ambiente escuro e silencioso. No passado, eles morriam de stress ou tinham vasos sanguíneos rompidos por causa da agitação.
• Popularizou-se o uso da nutrição parenteral, um composto de soro com glicose, eletrólitos, gordura e proteína, que entra no organismo através de alguma veia. Antes os prematuros que não podiam comer freqüentemente morriam de inanição.
Parece uma inversão de cenários o início da vida acontecer logo num ambiente quase sempre destinado a doentes terminais. Mas, para criar condições de sobrevivência fora do útero a uma criaturazinha que não é mais do que um feto em desenvolvimento, toda essa parafernália é vital. Numa UTI neonatal, bebês minúsculos de até 30 centímetros ficam espalhados dentro de incubadoras que aquecem e são conectadas a uma série de fios e aparelhos. Dois tubos entram pela boca do bebê para fornecer oxigênio e alimento. Duas agulhas perfuram seu cordão umbilical. Um monitor ligado ao pequeno tórax acompanha os batimentos cardíacos. A numerosa equipe de médicos e enfermeiros chega a fazer vinte procedimentos por dia num recém-nascido, trocando soro, ministrando antibióticos, coletando fezes. Bebês nus, muitas vezes inertes, passam o dia olhando para o teto com uma cara de quem ainda não nasceu.
cansaço de enfrentar aquela rotina diariamente. Às vezes eu saía da sala e chorava de desespero. Mas nunca perdemos a esperança." Mesmo que inicialmente pareça chocante, esse quadro é fruto da evolução da ciência nestas últimas décadas. Há quinze anos, bebês que nasciam com peso abaixo de 1 quilo só em raros casos podiam ser salvos pela medicina. No fim da década de 90, o limite caiu para 750 gramas. Hoje, bebês com menos de 500 gramas, como Arthur, já têm chance de sobreviver sem complicações posteriores. O mesmo é válido para o tempo de gestação. Se no passado sete meses era o limite da prematuridade, atualmente é justificável investir num ser humano que nasça com até cinco meses e três semanas.
Foi uma longa trajetória até atingir esse estágio de desenvolvimento. No início do século XX, bebês muito pequenos – o que na época significava dizer com menos de 2 quilos – ficavam numa ala específica dos hospitais à espera da morte. O médico alemão Martin Couney foi um dos primeiros a se interessar por esses prematuros com poucas chances de vida. Com métodos simples, como provê-los de nutrição e aquecimento, ele chegou a resultados invejáveis para a época. As primeiras incubadoras eram aquecidas com garrafas de água quente ou óleo. Isso enchia o ambiente de fumaça e fazia alguns bebês morrer por asfixia. Apesar de dificuldades assim, os avanços de Couney começaram a chamar atenção, e ele passou a exibir os prematuros em feiras, cobrando ingresso na porta. Até 1940, o médico rodou vários países mostrando suas pequenas criaturas. A idéia era divulgar os avanços da neonatologia, embora o método fosse um tanto questionável. Após esse salto, uma nova evolução aconteceu somente em 1963. Foi quando o presidente americano John Kennedy e sua mulher, Jacqueline, tiveram um filho prematuro, Patrick. O caçula do casal nasceu no sétimo mês de gestação, pesando 2,1 quilos, mas não conseguiu sobreviver por ter sido vítima da síndrome de membrana hialina, doença relacionada à imaturidade dos pulmões, muito comum em bebês prematuros. A partir de então, os Estados Unidos voltaram seus olhos para os problemas relacionados a bebês prematuros e passaram a investir milhões por ano em pesquisa e equipamentos. Foi nessa época que surgiram as primeiras UTIs neonatais, diferentes dos berçários comuns.
Dos anos 90 em diante, equipamentos que ajudam a salvar vidas em UTIs neonatais tornaram-se ainda mais sofisticados. As modernas incubadoras são capazes de detectar alterações mínimas nos sinais vitais do bebê. Aparelhos para exames e cirurgias foram se miniaturizando – hoje, sondas, cateteres e agulhas são do diâmetro de um fio de cabelo, desenhados para impingir o menor sofrimento aos pequeninos. "Nos Estados Unidos foi criado até um robô que faz a rotina da UTI e pode ser controlado de casa pelo médico", diz Luiz Eduardo Miranda, chefe da UTI neonatal da Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro. Outro avanço diz respeito à adoção de procedimentos mais humanos, como o método canguru, em que o bebê fica numa bolsa atada ao corpo da mãe e passa a ter contato pele a pele com ela algumas vezes na semana. Essas novidades trouxeram resultados evidentes. Duas décadas atrás, apenas 20% dos bebês que nasciam com menos de 600 gramas sobreviviam. Hoje, nas melhores clínicas, esse índice é de pelo menos 40%. Para bebês entre 750 gramas e 1 quilo, a taxa de sobrevivência salta para 90%.
Ainda assim, o nascimento de um prematuro, e sua estada por alguns meses numa UTI, é um evento que abala toda a família. Algumas maternidades já possuem equipes de psicólogos voltadas especificamente para a família do bebê. Elas ajudam os pais a enfrentar situações como a morte de outras crianças na UTI e orientam também irmãos e avós do bebê a lidar melhor com a situação. "Isso causa um dos maiores índices de separação entre casais, incidência de uso de drogas e alcoolismo", diz Manoel de Carvalho, diretor da clínica Perinatal, onde nasceu Arthur. "Mais do que um aborto, que é um evento pontual, conviver por cinco ou seis meses com o prematuro numa UTI é uma barra que muitas famílias não agüentam."
Apesar disso, exemplos recentes de sucesso dão um alento aos novos pais de prematuros. Antes de Arthur, o menor bebê do Brasil era Carlos Flores, o Carlinhos, que nasceu pesando 450 gramas no ano de 1995. Prematuro de seis meses de gestação, o bebê passou 43 dias na UTI, teve de operar a retina, que ainda estava malformada, e ficou com uma miopia de 10 graus. Mas, depois do sufoco, o bebê se desenvolveu como uma criança normal. Hoje, com 11 anos e pesando 44 quilos, tem um apelido novo: Carlão. "Ele nunca teve problema de saúde, nem dor de barriga. Sempre foi um menino muito esperto e inteligente", afirma Ivonete, a mãe do garoto. "Era um verdadeiro palito até os 5 anos de idade, não engordava de jeito nenhum. Hoje, nem ele acredita que foi prematuro."
Atualmente, 13% dos bebês nascidos nos Estados Unidos são de parto prematuro, um aumento de 30% em relação a duas décadas atrás. No Brasil, estima-se que entre 7% e 9% dos partos também sejam com menos de 37 semanas de gestação, que é o limite da gravidez normal. E os custos são elevadíssimos. O acompanhamento de uma criança que nasce com menos de 600 gramas chega a custar cerca de 150.000 reais por dia em uma clínica especializada. Por isso, o desafio agora é aprofundar as investigações sobre as causas de partos prematuros e tentar evitar que eles aconteçam. "Para melhorar, partindo do ponto em que estamos, é preciso mudar o foco para as mães, em vez de focar apenas no bebê", diz Wladimir Taborda, coordenador de ginecologia e obstetrícia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Durante a gravidez normal, atualmente é impossível prever quais mulheres terão parto prematuro. Existem, entretanto, alguns grupos de risco. Entre eles estão as fumantes, usuárias de drogas, mulheres abaixo do peso, jovens demais ou com níveis altos de stress na rotina diária.
Érika Muniz, mãe de Kaio e Karen, prematuros de 29 semanas, que estão há 42 dias na UTI, e de Kayke, que morreu dez dias depois de nascer |
Daniela Martins, mãe de Vinícius, hoje com 3 anos |
Mônica Teixeira, mãe dos gêmeos Giovana e Arthur, há vinte dias na UTI |
Fonte: http://veja.abril.com.br/271206/p_052.html