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04.12.2012

Luisa Vitória: 23 semanas e 4 meses de UTI


Taís Seibt para Zero Hora em 04/12/12

[caption id="attachment_3541" align="alignright" width="300" caption="Foto: Diego Vara / Agência RBS"][/caption]

"Em berço de devotos de Santa Rita de Cássia, Luísa Vitória Alves Xavier já veio ao mundo cheia de promessas a pagar. Padroeira das causas impossíveis, a santa foi o amparo de Cassiane Oliveira Alves, 28 anos, mãe de gêmeas prematuras nascidas em julho com 23 semanas de gestação.

Lívia, a mais nova, morreu três dias depois do nascimento. Luísa foi recepcionada em casa nesta terça-feira, no bairro Camaquã, zona sul da Capital, depois de quatro meses e meio no Hospital Presidente Vargas. Tempo necessário para passar dos 600 gramas que pesava em 21 de julho para os atuais 2,2 quilos.

— Hoje é o dia mais feliz da minha vida, é como nascer de novo — diz Cassiane, emocionada, embalando a filha no colo pela primeira vez no quarto todo decorado de rosa e roxo, as mesmas cores dos balões colocados no portão da casa, ao lado da faixa com os dizeres "forte, guerreira, valente, corajosa, isso se resume a uma só pessoa, Luísa Vitória".

Vitória veio a compor o nome de Luísa no lugar de Fernanda, o que seria uma homenagem ao avô, Fernando, pai de Cassiane. Ele mesmo sugeriu a mudança, orgulhoso da luta que uniu a família nos últimos meses.

— Minha mãe ficava do lado de fora da UTI, porque só podia entrar no horário de visitas, mas esteve sempre comigo. Isso foi muito importante — conta Cassiane.

Luísa é uma exceção

Para a médica Isabel Marshall, chefe da UTI neonatal do Hospital Presidente Vargas, que só atende prematuros e nascimentos de risco, Luísa é uma exceção.

— O exame neurológico dela é perfeito, é muito raro um bebê de 23 semanas no Brasil sobreviver sem sequelas, mesmo em hospitais mais modernos que o nosso — comenta Isabel.

A médica destaca o envolvimento da família e a dedicação da equipe como decisivos para o sucesso da recuperação.

— Temos recursos materiais limitados, mas nossos profissionais são muito qualificados. O atendimento humanizado dá confiança à família, que consegue participar mais do cuidado com o bebê prematuro — comenta Isabel.

Cassiane chegou ao hospital com um sangramento no dia 17 de julho. Resistiu por quatro dias, alertada pelos médicos sobre os riscos de um parto tão prematuro. Durante o período em que Luísa esteve internada, Cassiane viu outras mães perderem seus filhos, bebês com malformações chegarem à UTI e enfrentou todo tipo de complicação ao lado da filha, tendo de aprender a conviver com termos médicos como queda de saturação e retinoplastia da prematuridade, até o dia em que ajudou a apertar os botões das incubadoras quando houve uma queda de luz no hospital.

Nas últimas duas semanas, com Luísa já fora da UTI, começou o processo de adaptação da menina para se alimentar sem a sonda gástrica e poder, finalmente, voltar para casa. O pai, Sérgio Xavier, 31 anos, não pôde se ausentar do trabalho em uma empreiteira de pintura durante a tarde, mas tratou de chamar toda a vizinhança para a festa de boas vindas à noite. Se bem que a recepção na chegada foi calorosa: mais de 20 pessoas se aglomeravam ao redor de Luísa, entre familiares e amigos. Todos querendo ver a carinha serena que deu à vila São Gabriel contornos de milagre.

Evolução da medicina permite vitórias como a de Luísa

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano, cerca de 15 milhões de bebês nascem prematuros (antes de 37 semanas) no mundo. O Brasil aparece na 10ª posição em números absolutos, com 279,3 mil partos de prematuros por ano, ou 9,2% dos partos. Graças ao desenvolvimento da medicina, nascidos prematuros têm hoje mais chances de sobrevida do que décadas atrás.

Respiradores mais modernos e delicados, que causam menos lesões ao pulmão do recém-nascido, e incubadoras mais sofisticadas, capazes de manter acústica, luminosidade e temperatura mais semelhantes ao ambiente da barriga da mãe, são alguns dos equipamentos citados pelos médicos.

Medicamentos também têm sido decisivos. O surfactante pulmonar é um exemplo. Aplicada diretamente na traqueia do prematuro, a substância ajuda o pulmão do bebê a se desenvolver e começou a ser utilizada no Brasil somente nos anos 1990. Outra medida, também para o desenvolvimento do sistema respiratório do bebê, é o uso de corticoide na mãe, antes do parto.

Para poder sair do hospital, a criança deve ter o peso e as condições correspondentes à idade corrigida, ou seja, contada a partir da 40ª semana, somados os períodos de gestação na barriga da mãe e na incubadora. E os cuidados não cessam depois da liberação.

— Sobreviver na UTI não significa sobreviver depois, é preciso investir também no acompanhamento hospitalar após a alta — frisa a neonatologista Rita de Cássia Silveira, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do ambulatório de prematuros do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

No Hospital Presidente Vargas, os nascidos prematuros recebem acompanhamento ambulatorial até os 10 anos de idade.

[caption id="attachment_3540" align="aligncenter" width="730" caption="Foto: Diego Vara / Agência RBS"][/caption]

Por que Luísa é uma vitoriosa

— Segundo a médica e professora da UFRGS Rita de Cássia Silveira, até 15 anos atrás, um nascimento com 24 semanas era considerado aborto pela Organização Mundial da Saúde.

— Atualmente, a OMS considera bebês prematuros aqueles que nascem no período gestacional entre 22 e 37 semanas. No entanto, entre 23 e 24 semanas se encontra o período de pré-viabilidade, conforme o obstetra José Geraldo Ramos, também professor da UFRGS.

— Segundo Ramos, a taxa de mortalidade entre nascidos com 23 semanas gira em torno de 80%. Com 29 semanas, a chance de sobrevida aumenta para 90%.

— O risco de sequelas em casos de prematuridade extrema é alto. São comuns problemas de visão, audição, locomoção e dificuldade de aprendizado.

— Um estudo publicado este ano no jornal médico Pediatrics, feito pelo pediatra e professor de neonatologia Jonathan Muraskas, do Centro Médico da Universidade de Loyola, nos Estados Unidos, aponta que a idade gestacional é mais determinante para a saúde futura de um bebê prematuro do que o peso no nascimento.

— Com 23 semanas, os sistemas do feto ainda não estão maduros. Intestinos e glândulas como pâncreas e tireoide ainda não se formaram. A pele ainda é gelatinosa e muito sensível. O sistema nervoso central só estará maduro com 28 semanas. E a capacidade pulmonar só estará estabelecida por volta da 35ª semana."

Fonte: Zero Hora

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