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02.06.2023

Ser "mãe de UTI" é ter fé e dividir momentos com rede de apoio

Mães de bebês prematuros relatam luta vivida em Unidade de Terapia Intensiva.

No dia nove de Agosto de 2017 a professora Denise Barros de Azevedo, na época com 45 anos, deu à luz a três meninas na sala de parto da Santa Casa, em Campo Grande, por volta das 10h30. As trigêmeas nasceram com 27 semanas, e em menos de um mês, a mãe de primeira viagem precisou enterrar duas filhas em um intervalo de 20 dias, enquanto segurava a mão, pequena e frágil, da única sobrevivente do parto prematuro. 

Cinco anos mais tarde, sentada na varanda da casa onde mora, no Bairro Tiradentes, enquanto a filha, agora com cinco anos de idade dorme, a memória viva na lembrança da professora faz parecer que o fato narrado aconteceu ontem.

Adélia, Maria e Helena nasceram com vida, mas tiveram destinos diferentes. Adélia sofreu complicações no pulmão e faleceu no mesmo dia, por volta das 19h30, algumas horas após o parto. Denise não chegou a segurá-la no colo. “Não deu tempo de conhecer”, relembra.

Vinte dias depois, Maria foi acometida por enterocolite, uma doença que afeta o intestino. Denise, ainda vivendo o luto pela primeira filha, precisou enterrar a segunda em menos de um mês. Durante os 144 dias seguintes, a rotina de Denise foi dormir, acordar, e ir para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital ficar ao lado da única sobrevivente, Helena.

“Ia daqui até a santa casa rezando o terço. Rezei demais, pedi demais. Hoje em dia não posso pedir mais nada. Quando você é mãe de bebê prematuro, você tem que entregar sua filha pra Deus. Ser mãe de bebê prematuro é ter o coração entregue pra Deus, porque você não tem opção. É confiar nos médicos, é confiar em Deus, confiar que esse bebê tem essa missão na vida”. 

Denise nunca havia pisado em uma UTI na vida, então se empenhou em estudar sobre a prematuridade e se informar sobre o que lhe aguardava pelos próximos quatro meses. Emocionada, a professora relembra que perdeu pelo menos 20 quilos na época. “É a pior rotina do mundo, você acorda, toma café, vai para a UTI. Eu não comia. Eu parei de comer doce, parei de comer tudo”. 

Em função da filha 24 horas por dia, Denise conta que abdicou de tudo durante o período que ficou na UTI. Foi em uma tarde de domingo, cerca de um mês antes de Helena receber alta, que a professora se permitiu fazer algo por si mesma pela primeira vez em tanto tempo. “O Guilherme falou assim, ‘vai pra casa, fica em casa’. Eu passei numa sorveteria, ali na Antônio Maria Coelho, falei ‘vou tomar um sorvete’, foi a única vez que eu falei ‘nossa, vou tomar uma coisa que eu gosto’. Foi um sorvete que eu tomei”. 

Em dezembro de 2017, na véspera de Natal, Helena recebeu alta e foi para casa. Denise pediu licença da Universidade para cuidar da filha, pois não tinha condições de voltar. Os cuidados com a bebê eram minuciosos, e Helena corria risco de sofrer uma morte súbita. “O médico falou pra mim que durante um ano tinha que dormir com alguém olhando ela. O índice de morte súbita de bebê prematuro é muito grande. Ai quem disse que eu dormia também?”. 

"Fiquei totalmente neurótica. Tive que fazer tratamento. Fui pro psiquiatra. Eu tive que ir, porque eu não ria mais, e eu sou uma pessoa alegre, mas eu parei de rir. Minha mãe olhou pra mim um dia e falou ‘minha filha você não ri mais’. Eu não tirava foto da Helena. Eu tinha medo de tirar foto. Eu não deixava ninguém tirar foto dela”. 

Helena foi diagnosticada com deficiência auditiva aos oito meses de idade. Atualmente com cinco anos, está na fase mais gostosa da infância, em que o mundo é uma caixinha de surpresas e novidades, e a cabeça fervilha com milhões de questionamentos. Denise ressalta a importância de manter um diálogo sincero com a filha e não esconder a realidade sobre suas limitações físicas, nem sobre as irmãs que faleceram. “Meu sonho é que a Helena seja independente e seja dona da vida dela, dentro das limitações dela”. 

A manicure Gisele Mendonza, 36 anos, lutou ao lado do filho, Carlos Augusto, por 100 dias na UTI neonatal da Santa Casa. O bebê nasceu com 25 semanas de gestação, devido a uma complicação durante a gravidez de Gisele, desencadeada por uma infecção no colo do útero, acompanhada do diagnóstico de Covid-19. 

Em reportagem para o Campo Grande News, em maio de 2022, Gisele compartilhou que o trabalho de parto foi difícil e durou muitas horas, e que chegou até a pensar que ela e o filho não sobreviveriam. “Meu filho é um guerreiro. Uma pediatra falou que era muito difícil ele sobreviver, e ele sobreviveu”. Nessa época, Carlos Augusto estava há 57 dias na UTI, e já havia sido submetido a duas transfusões de sangue e uma cirurgia de retinopatia da prematuridade, por conta da malformação dos vasos sanguíneos dos olhos.

A manicure relembra que quando chegou na ala pós parto, sentiu uma dor imensa. “Todas com seus bebês e eu sem o meu. Foi difícil. Eu tentava entender tudo aquilo. Queria meu filho comigo, igual toda mãe sonha”. Ela só pôde pegar o filho no colo pela primeira vez, após dois meses do nascimento. 

“Um dia cheguei no hospital e vi a enfermeira com ele no colo, coisa que eu nunca tinha feito, não podia. Sai dali arrasada, me perguntando ‘será que ele vai saber que eu sou a mãe dele? Será que ele vai se acostumar comigo? '. Eram só 30 minutos de visita, ele passava mais tempo com elas”. 

Gisele descreve que não há como se preparar para os dias que virão, mas que manter a fé nos momentos difíceis foi crucial para viver um dia após o outro. A pior parte, segundo ela relata, era dormir e acordar com a incerteza do quadro de saúde do filho. “Tinha dia que eu chegava e ele tinha ganhado 24 gramas. No outro dia tinha perdido 40. Tive muito medo. Foi joelho no chão pedindo muito a Deus”. 

A professora Karen Crystina Deduch, 40 anos, deu à luz ao Miguel em 2 de agosto de 2013, na 28º semana de gestação, após a bolsa estourar em decorrência de uma infecção urinária. A criança passou 81 dias internada. 

Durante os quase três meses, Karen ia para o hospital de manhã, almoçava no local, e só ia embora após a última visita da noite. “E no outro dia começava tudo de novo”. A professora conta que chegou a morar na maternidade com o filho por 15 dias, enquanto esperava ele ganhar o peso necessário para receber alta.

O dia da alta dele foi exatamente o dia que estava a data prevista de parto na ultrassom, 22 de outubro, na casa comemoram duas vezes, no nascimento em agosto e na alta. 

“A rotina é bem difícil. É exaustiva, é cansativa, é puxada. Além de ficar lá o dia inteiro ainda tem o estresse por tudo o que você está passando. Você não sabe o que vai acontecer com o seu filho. Hoje ele está bem, amanhã você não sabe. Ser mãe de prematuro é você ter força de onde você não sabe de onde você tira. Você começa a ter uma fé inabalável que não tem explicação”. 

Miguel recebeu alta exatamente na data prevista na ultrassom para o parto acontecer, em 22 de outubro de 2013. A maior dificuldade, segundo Karen, foi o medo e a insegurança ao se ver sozinha para cuidar do filho, sem apoio da equipe de enfermeiros, sem saber se estava agindo certo ou errado. “Mas a gente venceu. Hoje o Miguel tem nove anos, é uma criança linda. Não tem sequela nenhuma. Ele é perfeito. É um milagre na minha vida”. 

Fonte: Campo Grande News

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