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05.09.2012

Prematuro: a vitória de chegar ao berço









Isabella com 2 semanas de vida:
122 dia de UTI
foto: álbum da família

Veja.com (por Karina Pastore e Giuliana Bergamo)
"Renata e Roberto Kiehl esperavam ansiosos (e radiantes) a chegada do primeiro bebê. Isabella foi uma criança desejadíssima. "Mas, ao ver minha filha, tive muito medo de amá-la", diz Renata. A menina nasceu em 10 de abril de 2000, na 26ª semana de gestação – três meses e meio antes do previsto. Sua fragilidade era assustadora: ela pesava apenas 600 gramas. De tão transparente, a pele revelava o sangue correndo pelas veias e artérias do corpinho de apenas 31 centímetros. Renata receava amar Isabella porque temia perdê-la. Na UTI neonatal do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, a mãe viu a filha ser entubada mais de vinte vezes por problemas respiratórios. "Cada dia de vida a mais era uma vitória", lembra Renata. Isabella ficou internada por 122 dias. Apesar da alta, mesmo em casa, os pais não sossegaram. No primeiro mês, Renata dormia vestida, com a chave do carro na mão, para o caso de uma emergência noturna. Ela e Roberto pesavam o bebê várias vezes ao dia. Cada grama de peso ganho era motivo de festa. O casal fazia de tudo para a filha não chorar, porque a energia gasta no choro poderia fazê-la perder peso. Hoje, aos 4 anos e 7 meses, Isabella é uma menina absolutamente normal. Nenhuma seqüela do parto prematuro? Bem, ela é da turma das baixinhas.







Isabella com 4 anos e 7 meses
foto: Claudio Rossi

A sobrevivência de Isabella é fruto dos incríveis avanços da neonatologia. Vinte anos atrás, cerca de 20% dos bebês prematuros nascidos com quase 600 gramas sobreviviam. Hoje, 40% das crianças que nascem com pouco mais de meio quilo vingam (veja quadro). O cenário, evidentemente, é o das melhores maternidades brasileiras, acessíveis apenas a clientes de classe média alta para cima. Nesses centros, as taxas de sobrevida dos prematuros comparam-se às de países cujo sistema de saúde é considerado de altíssima qualidade, como a Inglaterra. No Hospital Albert Einstein, por exemplo, 90% dos bebês nascidos com peso entre 750 e 999 gramas sobrevivem. A batalha é longa e sofrida, mas pode ser vencida.
     O que determina a prematuridade é o que os médicos chamam de idade gestacional. Para amadurecer naturalmente, um feto precisa de, em média, quarenta semanas dentro do útero materno. Se o bebê nasce antes da 37ª semana de gravidez, é considerado prematuro. O principal índice do grau de prematuridade é o peso. A criança entra para a faixa de risco quando tem menos de 2,5 quilos. Atualmente, a neonatologia é capaz de salvar bebês que nascem a partir da 22ª semana, com 500 gramas, em média. Antes disso, é impossível – e, provavelmente, será sempre. Isso porque a 22ª semana é o ponto de viabilidade fetal, conforme definem os médicos, quando os órgãos vitais finalmente estão formados, ainda que funcionando de maneira incipiente.
     "O nosso maior objetivo hoje não é apenas fazer com que essas crianças sobrevivam", diz o médico Luiz Carlos Bueno Ferreira, chefe do serviço de neonatologia do Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo. "É fazer também com que elas sobrevivam sem maiores seqüelas." As conquistas no campo da neonatologia são notáveis, mas não se podem desprezar os danos inerentes à prematuridade. Os sintomas não aparecem necessariamente no nascimento. Muitos só se manifestam a longo prazo. "É esperado que cerca de 20% dos nascidos até a 26ª semana de gravidez apresentem algum problema até os 5 anos", afirma o ginecologista e obstetra Wladimir Taborda, coordenador do departamento de perinatalogia do Hospital Albert Einstein. As seqüelas vão desde uma simples miopia até complicações mais sérias, como paralisia cerebral, retardo mental, distúrbio motor e somático, surdez, cegueira ou alterações da fala.
     Buscar meios para diminuir os riscos de problemas decorrentes da prematuridade é especialmente importante numa época em que é cada vez maior o número de crianças nascidas antes da hora. Nos Estados Unidos, a incidência de partos prematuros cresceu quase 30% desde 1980. O principal fator para esse fenômeno é o aumento das gestações múltiplas, provocadas pelos tratamentos de fertilidade. Na ânsia por um bebê, boa parte dos casais com dificuldade para ter filhos opta pela implantação de quatro a oito embriões. Com a tecnologia disponível, não é incomum que mais de dois deles vinguem. É impossível medir o impacto das gestações múltiplas na população brasileira como um todo. Mas ele é bem evidente nos principais hospitais privados do Brasil. Na Maternidade Santa Joana, em São Paulo, o índice de partos prematuros, causados por gestações múltiplas, cresceu 45% entre 1996 e 2003. A explicação é prosaica: as mulheres não foram programadas para gerar mais de um feto por vez. Até dois, a natureza consegue dar conta do recado com certa tranqüilidade. A partir de três, as complicações são inevitáveis. Um estudo da Universidade Yale, nos Estados Unidos, mostra que a probabilidade de uma mulher grávida de um só feto dar à luz um prematuro extremo é de menos de 2%. No caso de gêmeos ou trigêmeos, os riscos saltam para 12% e 60%, respectivamente. Essa "epidemia" de gêmeos, trigêmeos e quadrigêmeos com nascimento antes do previsto fez com que algumas maternidades criassem UTIs destinadas especialmente a crianças de extremo baixo peso. É o caso dos hospitais paulistas São Luiz, Pro Matre e Albert Einstein. Assim que soube que estava grávida de três meninos, no início de 2002, a psicóloga Ana Paula Dantas Rameh se preparou para as aflições da quase certa prematuridade. No curso para gestantes, enquanto as outras grávidas visitaram os quartos de maternidade, Ana Paula foi conhecer a UTI neonatal do São Luiz (veja depoimento).
     O primeiro desafio para um bebê nascido antes do tempo é respirar. Os pulmões estão entre os últimos órgãos a amadurecer – o que acontece geralmente na 35ª semana de gestação. No nascimento de um bebê gerado no prazo normal, quando o médico corta o cordão umbilical, a criança fica momentaneamente sem oxigênio. Ela precisa, então, fazer um esforço descomunal para que seus pulmões entrem em funcionamento – o choro é o resultado dessa luta. As crianças que nascem antes da hora, sobretudo os prematuros extremos, além de não ter os pulmões inteiramente amadurecidos, não dispõem de força para buscar o ar. Seu organismo também não produz em quantidade suficiente uma substância chamada surfactante, que evita que os alvéolos dos pulmões se grudem uns nos outros no movimento de aspiração e expiração. Uma versão sintética da substância surfactante, desenvolvida no Japão no início da década de 80, passou a ser usada em larga escala no Brasil há cerca de dez anos. Aplicada diretamente na traquéia do recém-nascido, ela favorece o amadurecimento pulmonar. Graças à invenção, a sobrevida dos prematuros vítimas de insuficiência respiratória aumentou em até 30%.
     A síntese em laboratório do surfactante foi o grande passo da neonatologia. A ela se seguiu uma série de inovações. As incubadoras mais modernas são capazes de detectar as mínimas alterações nos sinais vitais do bebê. A alimentação parenteral foi aperfeiçoada. Se antes ela consistia apenas em glicose, agora combina proteínas, sais minerais, vitaminas e gorduras nas quantidades exatas para não irritar o sistema digestivo, ainda incapaz de processar até mesmo o leite materno. Sondas, cateteres e agulhas do diâmetro de um fio de cabelo foram desenhados de forma tal que não impingem maiores sofrimentos a crianças tão frágeis. Em meados da década de 80, os pequenos ficaram livres das coletas de sangue – freqüentemente, mais de uma vez por dia – para a análise do nível de oxigênio. Essa medição começou a ser feita por um aparelho externo, preso por velcro ao pulso do recém-nascido. "Não ter de coletar sangue com tanta freqüência foi um progresso indizível, já que alguns prematuros têm um volume de sangue equivalente ao de uma xícara de cafezinho", diz o médico Luis Eduardo Miranda, chefe da UTI neonatal da Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro.
     Há que levar em conta ainda o aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas em prematuros. Os instrumentos foram miniaturizados. Para uma cirurgia de pulmão, por exemplo, é preciso afastar uma costela da outra. Num adulto, esse procedimento é feito com uma pinça de 30 centímetros de comprimento. Num prematuro, utiliza-se hoje um aparelho de 3 centímetros, originalmente desenhado para manter as pálpebras de um adulto abertas durante uma cirurgia de olho. "As intervenções exigem tanta delicadeza e precisão que o treinamento para operar prematuros é feito em ratos de laboratório", diz Pedro Muñoz Fernandez, cirurgião pediatra das maternidades Santa Joana e Pro Matre.
     Há muitos fatores que levam à prematuridade, além das gestações múltiplas. Entre eles estão a hipertensão e o diabetes maternos, infecções vaginais e partos prematuros prévios. Salvar bebês que nascem antes do previsto é uma das frentes da medicina. A outra é evitar esse tipo de nascimento. Certas medidas são capazes de retardar por algum tempo os partos precoces (veja quadro), o que não raro pode ser decisivo: a prática médica mostra que, entre a 23ª e a 26ª semana de gestação, cada dia a mais dentro do útero materno aumenta em 3% a chance de sobrevivência da criança.


Drama Previsto







foto: Claudio Rossi

     "Eu soube que teria uma gravidez complicada desde o segundo ultra-som, quando descobri que teria três bebês. Desde então fui me preparando. Fiz o curso para gestantes antes do período normal e, enquanto as outras grávidas visitavam os quartos da maternidade, eu visitava a UTI para prematuros. Não foi fácil, é claro. Mas esperava um quadro até pior. Comecei a sentir contrações na 23ª semana de gravidez e precisei ser internada por cerca de cinqüenta dias para segurar o trabalho de parto. Eu achava que meus filhos não chorariam ao nascer. Mas eles choraram – um a um. Eles nasceram com 30 semanas e todos com menos de 1,5 quilo. Apesar de todos os receios, deu tudo certo. Hoje eles têm quase 3 anos e apresentam um desenvolvimento normal, sem nenhuma seqüela."
     Ana Paula Dantas Rameh, de 33 anos, psicóloga, com o marido, Sérgio, os trigêmeos Guilherme, Rodrigo e Gabriel.

Perigo em dose dupla







foto: Claudio Rossi

     "Eu já tinha pressão alta, mas no quinto mês de gravidez o quadro ficou muito pior. Na 36ª semana de gestação, fui internada e os médicos decidiram que o melhor era fazer o parto, pois a nutrição e o crescimento da minha filha estavam comprometidos. O feto estava em sofrimento, como dizem os médicos. Depois que recebi alta, soube que nós duas havíamos corrido risco de morte e que meu marido tinha sido alertado sobre a possibilidade de ter de optar pela vida de uma ou de outra. Maria Clara nasceu com 36 semanas e apenas 1,6 quilo. Ela ficou um mês na UTI. Seu aparelho digestivo funcionava muito mal, e ela não ganhava peso. Maria Clara começou a melhorar de verdade quando passei a ter um contato físico mais intenso com ela, a partir da sua segunda semana de vida." 
     Aline Virgínia Gomes da Silva, de 33 anos, securitária, com a filha, Maria Clara, de 3 meses e 2 quilos.

A prematura que entrou para a história da medicina

     Madeline Mann tem apenas 15 anos, mede cerca de 1,40 metro, pesa pouco mais de 27 quilos e já é uma recordista.
     Quando nasceu, nos Estados Unidos, com 27 semanas de gestação, a menina pesava apenas 284 gramas e media 25 centímetros, o suficiente para caber numa lata de refrigerante e sumir na mão de uma enfermeira. Suas dimensões lhe renderam o título de o menor bebê prematuro da história da medicina.
     Na época, os médicos não duvidavam que ela até pudesse sobreviver, mas tinham certeza de que a pequena seria vítima de graves seqüelas decorrentes da extrema prematuridade.
     "Sua sobrevivência não foi um milagre, mas seu desenvolvimento foi", diz o médico Jonathan Muraskas, responsável por cuidar da menina. Madeline, hoje, destaca-se pela maestria com que toca violino. As únicas seqüelas de seu nascimento precoce são suas medidas mirradas e uma asma."

Fonte:
http://veja.abril.com.br/241104/p_088.html


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