Laura Leismann de Oliveira¹
Paula Bath Belotto²
Vanine Arieta Krebs³
Incidência
Os indicadores de saúde materno e infantil são diretamente impactados pelas síndromes hipertensivas na gestação, em especial a pré-eclâmpsia (PE). Atualmente a PE é a principal causa de morte materna e a principal causa de prematuridade no Brasil.
Estima-se, em geral, que a PE ocorra entre 3,0% e 5,0% das gestações. No Brasil, um estudo de revisão sistemática identificou a incidência de 1,5% para PE e 0,6% para eclâmpsia. Porém precisamos levar em consideração a grande diversidade do país, assim como o desenvolvimento socioeconômico das regiões, nas quais as mais desenvolvidas apresentam menor incidência de PE, enquanto regiões menos favorecidas tendem a ter uma incidência maior. Nas áreas mais desenvolvidas, estima-se uma prevalência de eclâmpsia em 0,2%, com índice de morte materna de 0,8%, enquanto que em regiões menos favorecidas esta prevalência se eleva para 8,1% com razão de morte materna correspondente a 22,0%.
Embora ainda se afirme que há subestimação das estatísticas, é importante reconhecer que a PE têm grande impacto do ponto de vista da saúde materno infantil, uma vez que além das altas taxas de mortalidade, pode levar a limitações definitivas na saúde materna e a graves consequências ao feto e recém-nascido.
Causa
A PE caracteriza-se por hipertensão arterial (maior ou igual à 140X90 mmHg), em gestante previamente normotensa, a partir da 20ª semana de gestação, associada à proteinúria (proteína na urina) significativa.
Mesmo sendo uma doença de alta incidência e diversos estudos, a pré-eclâmpsia ainda não tem causas estabelecidas, no entanto, sabe-se que a placenta é o órgão responsável pelo desenvolvimento da doença. A PE se caracteriza por uma doença sistêmica caracterizada por intensa resposta inflamatória, lesão endotelial, agregação plaquetária, ativação do sistema de coagulação e aumento da resistência vascular generalizada. Dessa forma, todos os órgãos podem sofrer efeitos da pré-eclâmpsia.
Também se considera PE quando a hipertensão arterial for acompanhada de comprometimento ou disfunção de órgãos-alvo (disfunção hepática, insuficiência renal, edema pulmonar, iminência de eclâmpsia ou eclâmpsia) ou de sinais de comprometimento placentário (restrição de crescimento fetal), mesmo na ausência de proteinúria.
A PE também pode apresentar sinais de gravidade quando a pressão arterial (PA) sistólica ≥160 mmHg e/ou PA diastólica ≥110 mmHg. Outros sinais de gravidade são: cefaléia, distúrbios visuais, náuseas, vômitos, dor no abdome superior, eclâmpsia (convulsões), edema agudo de pulmão, insuficiência renal.
Prevenção
Sabe-se que é possível, reconhecer mulheres com maior possibilidade de desenvolver a doença (quadro abaixo), e atentar no pré-natal, para realizar o diagnóstico da PE o mais cedo possível. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento da PE são primigestação, história prévia ou familiar de PE, hipertensão crônica, diabete, doença reumática, raça negra, obesidade e trombofilias.
As únicas alternativas que mostraram algum grau de efetividade para grupos de risco, em ensaios clínicos randomizados, foram a suplementação com cálcio (carbonato de cálcio, 1.000-2.000 mg/dia) e o uso de pequenas doses diárias (50-150 mg) de aspirina.
Conduta e Tratamento
O tratamento da PE vai depender do grau da gravidade da doença. Para PE sem sinais de gravidade, assim que realizado o diagnóstico, a gestante deve ser internada para se aprofundar a avaliação e certificar-se de que não existem sinais/sintomas ou alterações de exames laboratoriais que agravam o quadro. Após essa avaliação, o segmento ambulatorial é uma opção econômica e suficiente para manter a gestante sob vigilância.
Porém, para tanto é necessário que a gestante esteja bem informada, que tenha condições de procurar hospital aos sintomas de agravamento da doença, estar atenta à movimentação fetal, aferir a pressão arterial diariamente (no domicílio ou na Unidade Básica de Saúde), mantendo os valores da pressão arterial entre 110 a 140 x 85 mmHg, manter consulta semanal para monitoramento das condições do feto e realizar exames laboratoriais necessários. Se a gestante se mantiver bem controlada, a interrupção da gestação pode ocorrer com 37 semanas.
A internação hospitalar é inevitável nos casos de PE com sinais de gravidade, para acompanhamento da evolução da gestação e atenuação de possíveis danos. Nos casos mais graves, independentemente da idade gestacional, as situações a seguir indicam a necessidade do término da gestação: Síndrome HELLP, eclâmpsia, edema pulmonar/descompensação cardíaca, alterações laboratoriais progressivas, insuficiência renal, descolamento prematuro de placenta, hipertensão persistente e alterações na vitalidade fetal.
Após o diagnóstico de pré-eclâmpsia, é necessário que o profissional oriente a gestante de que ela terá uma doença progressiva com deterioração de função de alguns órgãos, que só se resolverá com o nascimento. Assim, quando diagnosticada precocemente, os cuidados são para levar a gestação até um momento de menor morbidade fetal pela prematuridade.
Tratamento medicamentoso
O sulfato de magnésio é o anticonvulsivante de primeira escolha a ser ministrado quando há risco de convulsão, iminência de eclâmpsia, eclâmpsia, síndrome HELLP e hipertensão de difícil controle (Pressão arterial sistólica - máxima ≥160 mmHg e/ou PA diastólica - mínima ≥110 mmHg, mesmo na ausência de sintomas). Frise-se que o uso dele não indica, necessariamente, a realização do parto.
Evita-se a redução abrupta e excessiva da pressão arterial, pelo risco de acidente vascular encefálico, infarto do miocárdio, insuficiência renal aguda e hipóxia fetal. Por isto é contra indicado o uso de hipotensores (medicamentos que reduzem a PA) de ação rápida. A meta deve ser a redução da pressão arterial de 15% a 25% na primeira hora.
Eclâmpsia
Eclâmpsia é a manifestação clínica mais grave da pré-eclâmpsia, que se caracteriza pela ocorrência de convulsões tônico-clônicas generalizadas, durante a gravidez ou no pós parto, em gestantes com pré-eclâmpsia, que não estão relacionadas com outras doenças do sistema nervoso central. É uma causa frequente de morbidade e mortalidade materna no Brasil.
Na maioria das vezes, o diagnóstico de eclâmpsia é clínico, embasado na ocorrência, pela primeira vez, de convulsões tônico-clônicas, em uma gestante ou puérpera com distúrbio hipertensivo, na ausência de outros fatores causais para convulsões. A maioria dos quadros de eclâmpsia ocorre antes do parto.
O principal manejo da eclâmpsia são a manutenção da função cardiorrespiratória, o mais urgente do tratamento não é o de parar de imediato a convulsão, mas o de garantir a oxigenação materna e minimizar o risco de aspiração. A interrupção da gestação, neste momento, não é indicada. Recomenda-se aguardar um tempo, em geral entre quatro a seis horas, para que a gestante e o feto se recuperem do insulto convulsivo, a crise hipertensiva esteja controlada.
Nascimento pré termo
No momento em que há necessidade de interrupção da gestação para assegurar a saúde materna e neonatal, observamos que a síndrome hipertensiva gestacional é responsável por um grande número de partos prematuros. Nesse sentido, a decisão de antecipação do parto deve sempre levar em consideração os riscos elevados de mortalidade e morbidade neonatal.
Porém, com a internação hospitalar de gestantes com PE para manejo dos níveis pressóricos, bem como acompanhamento do desenvolvimento fetal, a interrupção da gestação se torna mais tardia, com maior peso ao nascer e benéfica ao recém-nascido (RN). Gestantes que permanecem internadas apresentam risco de morte fetal reduzido em relação às gestantes que não mantêm acompanhamento hospitalar diariamente.
Diante dessa necessidade de internação para cuidados maternos intensivos, é fundamental que a instituição hospitalar conte com uma equipe de neonatologia apta para atender os RNs, resultando em desfechos favoráveis para a sobrevivência e qualidade de vida desses prematuros, visto que, geralmente apresentam restrição de crescimento intra-uterino.
Referências:
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3. Giordano JC, Parpinelli MA, Cecatti JG, Haddad SM, Costa ML, Surita FG, Pinto E Silva JL, Sousa MH. The burden of eclampsia: results from a multicenter study on surveillance of severe maternal morbidity in Brazil. PLoS One. 2014; 9(5):e97401.
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5. Barton JR, Witlin AG, Sibai BM. Management of mild preeclampsia. Clin Obstet Gynecol. 1999; 42(3):455-69. Review.
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7. Moura, MDR de, et al. Hipertensão arterial na gestação: importância do seguimento materno no desfecho neonatal. Com. Ciências Saúde - 22 Sup 1:S113-S120, 2011
8. Oliveira, LG de; Karumanchi, A; Sass, N. Pré-eclâmpsia: estresse oxidativo, inflamação e disfunção endotelial. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. 32 (12) • Dez 2010https://doi.org/10.1590/S0100-72032010001200008
¹Doutora em Enfermagem. Enfermeira Obstétrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
²Mestre em Enfermagem. Enfermeira Obstétrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
³Enfermeira Obstétrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre