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17.06.2024

Pesquisa mostra: mães buscam poucas informações sobre amamentação na internet

"A maternidade na era digital é um desafio complexo, marcado por contradições, desigualdades e pressões sociais. Para garantir o direito de todas as mães e crianças à informação, apoio e saúde é preciso ir além do acesso à internet e dos serviços de saúde".

Minha sorte, na “trilha do aleitamento materno”, é encontrar pessoas sérias, estudiosas, éticas, muito ativas, sempre insatisfeitas buscando mais. Um desses “seres” (conheço muitos) é o Cristiano Boccolini, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Observa Infância. Em uma conversa, entre muitas, a respeito do ENANI-2019, aleitamento materno, ele me surpreendeu com dados a respeito do acesso de mães à internet em busca de informações sobre o aleitamento materno. Chocado!

Em uma era em que a informação está a um clique de distância, ficamos surpresos ao constatar que a maioria das mães brasileiras não utiliza a internet para buscar informações sobre aleitamento materno. O estudo ENANI-2019 revela um paradoxo: enquanto 84% da população brasileira acessa a internet, apenas 34,5% das mães de crianças menores de cinco anos a utilizam para se informar sobre amamentação, fato que levanta questionamentos cruciais

Algo impede essas mães de aproveitarem essa ferramenta poderosa em um tema tão crucial, com tantos desafios e tantos questionamentos? Nosso papo gerou algumas reflexões.

A dificuldade em navegar no mar de informações da internet, onde o conteúdo confiável se mistura com fake news, desinformações, propagandas e #publi disfarçadas reperesenta um grande desafio. A sobrecarga de informações, a falta de tempo para filtrá-las e a dificuldade em reconhecer fontes seguras, éticas, atualizadas e sem conflitos de interesse pode levar à frustração, ao abandono da busca, ou até mesmo ao desestímulo de, pelo menos, tentar.

Para muitas mães, especialmente as que enfrentam a “múltipla” jornada de trabalho, a privação de direitos sociais básicos (trabalhadoras informais), os desafios da “maternidade solo”, a insuficiente rede de apoio, o tempo é um recurso escasso e precioso.

As desigualdades sociais aprofundam essa lacuna. Muitas mulheres não possuem acesso à internet de qualidade ou dispositivos adequados para realizar pesquisas online. A falta de habilidades digitais, o desconhecimento das ferramentas de busca, ou até mesmo o de referências na área também podem ser barreiras. A exclusão digital, ainda presente em diversas regiões do Brasil, perpetua a desigualdade no acesso à informação e limita as oportunidades de empoderamento das mães.

Crenças e práticas culturais arraigadas, pressão social e o medo do julgamento podem levar ao desinteresse ou até mesmo à inibição pela busca por informações online, especialmente em comunidades onde a amamentação não é amplamente discutida ou apoiada. A falta de representatividade e de informações culturalmente relevantes na internet também pode afastar algumas mães, que não se identificam com o conteúdo disponível.

Independentemente do acesso à internet, as mães dependem dos profissionais de saúde para obter informações e apoio sobre amamentação. No entanto, parcela considerável dos municípios do país não conta com a presença de especialistas nessa área em quantidade suficiente (quando existem) para um atendimento minimamente desejável. E quando se aborda o conhecimento e o comprometimento para esse suporte surgem mais motivos de preocupação. A carga horária dedicada ao tema (amamentação) na grande maioria dos cursos de formação de profissionais da área de saúde materno-infantil é assutadoramente deficiente, muito aquém do mínimo aceitável. Já quando se aborda questões de ética e da legislação, o conflito de interesses causado pela influência do marketing da indústria de alimentos é, no mínimo, inquietante. Um estudo constatou que cerca de dois em cada três pediatras receberam patrocínio da indústria de fórmulas infantis.

Quando o acesso à internet é possível e real, a qualidade da informação é questionável. A indústria de alimentos tem ampliado sua presença nas redes sociais por meio do marketing digital, muitas vezes disfarçado de conteúdo informativo, através dos influenciadores, que podem ou não ser da área de saúde. Essa tática, proibida pela legislação brasileira (NBCAL) e pelo Código Internacional da OMS, contamina as informações disponíveis e influencia diretamente as mães, minando a confiança no aleitamento materno. Essa situação muito preocupante gerou a elaboração de uma proposta apresentada na 77ª Assembléia Mundial de Saúde de 2.024, em Genebra para o controle do Marketing Digital , com participações do Ministério da Saúde, da IBFAN (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar).

As redes sociais podem ser uma faca de dois gumes. Por um lado, oferecem acesso a comunidades de apoio, informações e dicas sobre amamentação. Por outro lado, podem ser um campo minado de desinformação, marketing, julgamentos e pressões sociais. A comparação com outras mães, a exposição a imagens idealizadas da maternidade e a enxurrada de publicidade de alimentos infantis podem gerar ansiedade e insegurança nas mães, especialmente nas mais vulneráveis, colocando em dúvida sua capacidade de amamentar.

Ao mergulharmos nessa reflexão, é inevitável questionar: vivemos em uma bolha? Aqueles que acessam esse texto online, imersos na era digital, desfrutam de um privilégio que não se estende a todas as mães e cidadãos brasileiros. A exclusão digital e as desigualdades sociais no Brasil criam barreiras que impedem o acesso à informação e ao empoderamento. Diante desse cenário, qual o nosso papel como cidadãos, como sociedade e como profissionais da área de saúde materno-infantil? Como podemos romper essa bolha, buscando soluções que promovam a inclusão e a literacia digital, o acesso à informação de qualidade, além de oferecer apoio às mães em seus desafios, para que a amamentação seja uma escolha informada e livre de pressões?

A maternidade na era digital é um desafio complexo, marcado por contradições, desigualdades e pressões sociais. Para garantir o direito de todas as mães e crianças à informação, apoio e saúde é preciso ir além do acesso à internet e dos serviços de saúde. É preciso criar uma rede de apoio que inclua a família, a comunidade, o Estado e a sociedade como um todo, promovendo uma cultura de respeito, empatia e solidariedade.

Texto de Moises Chencinski (pediatra, colunista Crescer e membro da rede IBFAN) e Cristiano Boccolini (pesquisador da Fiocruz e coordenador do Observa Infância).

Fonte: Crescer

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