O início da vida de um indivíduo é um momento determinante para sua vida toda. Os primeiros mil dias de vida, período que vai da concepção até o final do segundo ano de vida do bebê (270 dias da gestação + 360 dias do primeiro ano de vida do bebê + 360 dias do segundo ano de vida do bebê) é considerado uma janela de oportunidades para investimento no desenvolvimento da criança, com o objetivo de impactar positivamente na sua saúde até a velhice. Nesta fase acontece o maior estirão de crescimento da vida de um ser humano, e também é a fase de maior impacto no desenvolvimento neurológico e imunológico, pois o cérebro também cresce numa velocidade incrível. Neste cenário, os estímulos ambientais desempenham um papel importante e influenciam os resultados de saúde a longo prazo, ativando ou desativando genes, o que chamamos de epigenética.
Intervenções nutricionais nessa fase da vida, na mãe e no bebê podem evitar ou reduzir as chances do aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, pressão alta, etc.). Segundo dados da UNICEF, a saúde de mais de 200 milhões de crianças em todo o mundo é atualmente influenciada pelo seu estado nutricional, com consequências inevitáveis na qualidade do seu crescimento e desenvolvimento. A nutrição, no início da vida, também vai ter interferência no desenvolvimento imunológico, cerebral e neurocognitivo de forma direta ou ainda, indiretamente, através da modulação da microbiota intestinal, que também impacta na regulação auto-imune e no desenvolvimento de alergias.
Gestação
A nutrição adequada durante a gestação, assim como outras práticas maternas (exposição a fumo, álcool, drogas, poluição, estresse, etc.) contribui para o desenvolvimento fetal, se estendendo também para a vida toda. Tanto a subnutrição da mãe quanto a supernutrição levam a uma programação metabólica prejudicada, e maior risco de obesidade infantil. Bebês que passam por restrição de crescimento no útero tendem a desenvolver um metabolismo mais “poupador” de energia, ou seja, tendem a ganhar mais peso. Gestantes precisam de um aumento na ingestão calórica, mas não precisam “comer por dois” e o ganho de peso precisa ser acompanhado. Uma oferta adequada de vitaminas e minerais é essencial - ferro, vitamina A e D, complexo B e ácido fólico, principalmente. Atentar para o consumo adequado de gorduras saudáveis, e uma ingestão de ômega- 3 adequada atua no desenvolvimento cerebral. Além disso, sabe-se que a alimentação da mãe durante a gestação pode contribuir até para a formação do paladar do bebê, já que o sabor do líquido amniótico, ingerido pelo bebê, pode variar de acordo com a alimentação materna.
Aleitamento materno
De preferência, deve ser exclusivo até os seis meses (em caso de bebês prematuros, até os seis meses de idade corrigida!). Já é consolidado o papel do leite humano no desenvolvimento cognitivo e imunológico, melhor impacto no crescimento saudável, promovendo melhor composição corporal da criança, efeito protetor para doenças crônicas e modulação da microbiota intestinal. Quando a oferta de fórmula infantil é necessária, ela deve ser feita na quantidade correta, evitando a superalimentação, que favorece o aparecimento de obesidade e síndrome metabólica ao longo dos anos.
Introdução alimentar
Tão importante quanto a forma de ofertar os alimentos (em pedaços, amassados ou de forma “mista”), é importante cuidar da qualidade dos alimentos ofertados. A introdução alimentar deve começar aos seis meses (e em caso de prematuros, seis meses de idade corrigida), quando o bebê demonstra que está maduro o suficiente pra isso, através dos “sinais de prontidão” - segurar firme a cabeça, sentar sem apoio e não tombar pros lados, ter redução do reflexo de protusão de língua, demonstrar interesse pelos alimentos e levar objetos à boca. Alimentos ultraprocessados e açúcar não devem ser oferecidos nessa fase (e preferencialmente, em nenhuma outra!). Frutas, verduras, legumes, carnes e ovos são suficientes, principalmente nos primeiros meses de introdução alimentar. O leite materno, até o primeiro ano, continuará sendo a principal fonte de nutrição do bebê.
Afeto e estímulos
Experiências afetivas favorecem o desenvolvimento cerebral, e isso acontece desde a gestação, pois os bebês já demonstram capacidade de audição desde a sexta semana de gestação, podendo reconhecer a voz dos pais e o afeto envolvido. Crianças que são criadas com carinho são mais empáticas, confiantes e podem ter melhor memória e aprendizado. Também são importantes os estímulos para o desenvolvimento das crianças, desde barulhos com chocalhos, brincadeiras ao ar livre e que estimulem a imaginação.
Nutricionista Jéssica Blatt Lopes
Referências:
UNICEF: https://www.pediatrmedchir.org/pmc/article/view/157/162.
Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois anos
Maternal and child undernutrition: consequences for adult health and human capital. CG Victora, L Adair, C Fall. Lancet, 371: 340-57, 2008
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