Notícias

Notícias

28.07.2015

O sofrimento silencioso da prematuridade


Notícia original publicada em 10 de julho de 2015.

Por Kayla Aimee
Kayla Aimee é mãe de uma filha que nasceu microprematura e autora de Anchored: Finding Hope in the Unexpected. Ela escreve sobre fé, família e suas coisas favoritas no endereço www.kaylaaimee.com

"De qual lado você vai querer repartir seu cabelo?" me pergunta a cabeleireira, com o pente na mão.

Faço um gesto com minha mão, indicando que ela deve jogar meus cabelos um pouco mais para a direita do que seria preciso.

"Contra o redemoinho?", ela pergunta.
"É para cobrir a parte calva", respondo.

Ela não pede uma explicação e eu não a dou. Ela começa a cortar.

Ouvindo o snip snip snip da tesoura, olho meus cabelos caindo ao chão e me lembro de quando enrolei um feixe desse cabelo nos meus dedos e puxei forte.

Minha filha tinha 2 meses de idade na primeira vez em que arranquei meu próprio cabelo.

Quando as pessoas falam em arrancar cabelos, acho que a maioria fala figurativamente, mas nada era figurativo para mim. Tudo era dolorosamente real, desde os monitores em preto e branco que nos informavam cada vez que o coração de minha filha parava de bater até o modo como levei ao extremo aquela expressão sobre arrancar os próprios cabelos.

Ela pesava 1.134 gramas, 500 gramas mais que seu peso ao nascer, quando rasparam uma parte de sua cabeça para inserir um cateter intravenoso. Em minha ansiedade, enrolei um feixe de cabelo nos meus dedos, sem prestar atenção ao que fazia, e, por causa do estresse e daqueles hormônios todos do pós-parto, puxei até o cabelo se soltar do couro cabeludo. Mas depois ergui a mão de novo e puxei forte, de propósito, provocando dor.

Não demorou para ela e eu termos cada uma um pequeno círculo redondo careca no meio dos cabelos. Eu fiz intencionalmente e sem querer, ao mesmo tempo.

Meu marido encontrou as provas jogadas fora no lixinho do banheiro. "Fiz de propósito mas sem querer", eu lhe disse.

Conversei com a psicóloga, que me falou do transtorno de estresse pós-traumático e de como isso é comum entre os pais de bebês extremamente prematuros. Li textos sobre mecanismos saudáveis para lidar com o estresse. E então arranquei mais alguns cabelos da parte de baixo, onde ninguém perceberia sua falta, e os escondi no bolso de trás de minhas calças, para que ninguém visse.

Não parei mais de fazer isso durante um ano inteiro.

Minha filha e eu ficamos saudáveis juntas. Ela aprendeu a ser alimentada sem sonda e eu aprendi a não perder a cabeça de medo cada vez que o monitor de apneia dela tocava para me avisar que ela tinha parado de respirar, mais uma vez.

Ela aprendeu a andar, embora tivessem dito que talvez ela nunca conseguisse, e eu aprendi a fazer outra coisa com minhas mãos quando sentia a ansiedade tomando conta de mim.

Minha filha continuou careca até os 2 anos de idade; depois disso seu cabelo cresceu tudo em volta da cicatriz que está logo para cima de sua testa. Colei um laço enorme sobre o ponto careca e reparti meu cabelo de modo a esconder o meu. Hoje eu penteio o cabelo dela com gestos calmos e regulares, com ela sentada no chão à minha frente, de pernas cruzadas. Depois trocamos de lugar e ela penteia o meu. Ela põe três faixas e uma tiara na minha cabeça, mas eu não escondo mais nada.

[caption id="attachment_15995" align="alignleft" width="300"]"O transtorno de estresse pós-traumático foi uma reação ao fato de ficar parada, sem poder fazer nada, vendo minha nenê sofrer", conta a mãe de uma prematura extrema. (Foto: Arquivo pessoal) "O transtorno de estresse pós-traumático foi uma reação ao fato de ficar parada, sem poder fazer nada, vendo minha nenê sofrer", conta a mãe de uma prematura extrema. (Foto: Arquivo pessoal)[/caption]

Todo o mundo quer saber como as coisas ficaram conosco. As pessoas têm curiosidade em saber dos danos que a prematuridade extrema pode ter deixado. Falamos da fisioterapia, da terapia ocupacional, do fato de que ela não conseguia comer, dos impedimentos à fala, da asma.

Mas esse é o sofrimento silencioso, aquele que chegou de fininho e tomou conta de mim na minha hora mais vulnerável. Ele me seduziu com a promessa de deixar que eu controlasse alguma coisa, qualquer coisa, num momento em que todo o resto era caos e estava desabando. Uma reação ao fato de ficar parada, sem poder fazer nada, vendo minha nenê sofrer. Uma reação que continuou por muito tempo depois de minha filha ter saído do hospital.

Eu sabia dos sinais de alerta para os quais tinha que ficar atenta com ela, os sinais dos quais nos falaram em todos os tratamentos que ela fez. Mas eu estava totalmente despreparada para enfrentar o que estava acontecendo comigo.

Foi como o nascimento dela: chegou de supetão, e eu não estava preparada.

Por isso eu falo também dessa parte - a parte de como a prematuridade tomou conta de todos nós.

Hoje minha filha pula do sofá e pratica pintura no hall, e eu só arranco meus cabelos figurativamente falando.

Nós duas estamos nos curando.

Fonte: Brasil Post

    Compartilhe esta notícia

    Histórias Reais

    Veja histórias por:

    Receba as novidades

    Assine nossa newsletter e fique por dentro de tudo que acontece no universo da prematuridade.