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26.11.2019

"Ninguém deveria ver partir aquele que viu nascer" - uma reflexão sobre o luto parental

Nesse mês dedicado a falar sobre prematuridade, trazemos uma reflexão muito importante: filhos que lutaram pela vida, seja por prematuridade, síndromes raras, etc, e faleceram, merecem sim ser homenageados como grandes guerreiros que lutaram pela vida.

Notamos que em vários locais dedicados a falar, não só em prematuridade, mas também em câncer, síndromes incompatíveis com a vida, dentre outras coisas, celebramos a vida daqueles que sobreviveram - o que é lindo e necessário - mas não vemos homenagens de luta àqueles que não conseguiram estar vivos ao final. Não há um painel com os nomes deles em algum lugar, honrando sua luta, homenageando sua garra e vontade de viver. Na maior parte das vezes são lembrados somente por sua morte, com saudade e lástima da perda.

Eles lutaram sim! Seus pais e familiares sim, também lutaram! Todos eles percorreram o mesmo caminho que os guerreiros que conseguiram chegar à vitória da cura e vida, mas infelizmente, para eles, o resultado final foi diferente do sonhado.

A ONG Prematuridade.com, juntamente com a ONG Amada Helena, convida a todos à reflexão e à lembrança desses anjos e suas famílias, em homenagem à sua luta e força: um histórico de tanta coragem não pode simplesmente ser esquecido.

Uma homenagem a todos os filhos que partiram. Eles também merecem ser lembrados como grandes e corajosos guerreiros!

"Nosso menino José Pedro virou um anjo de luz 4 dias após seu nascimento, acredito que ele está bem onde estiver, que esse mundo não era pra ele, que a sua curta jornada ele cumpriu. E agradeço pelos meses de gestação, por ter o conhecido e sentido toda a sua coragem e seu amor, vamos pedindo forças a cada dia para seguir com serenidade, e fé para lidar com a saudade eterna." (Caira Souza, mãe do anjinho José Pedro e do prematurinho João Vítor, voluntária da ONG Prematuridade.com)

"Você veio como eu te imaginei linda e perfeita nos olhos de Deus! Você foi a contagem regressiva mais esperada! E se foi como um sopro de Deus! Você foi o ser que veio com pés sem poder andar e com asas já sabendo voar, e com elas fortes para o céu com os anjos e fizestes a festa e de lá vem nos abençoando. Eu te amarei parei para sempre minha estrelinha minha Esther Vitória." (Janynnie Freitas, mãe da anjinha Esther Vitória e da ONG Prematuridade.com).

"Ninguém deveria ver partir aquele que viu nascer - essa frase de Orlando Alves o pai da Paulinha retrata tão bem o que quero lhes falar hoje.

Não existe ex mãe! É o que dizem. Mas será que existe ex filho?

Essa é a maternidade/paternidade às avessas, invisível, que ninguém quer viver e que muitos têm medo de falar sobre.

Quando perdemos um filho cruzamos uma linha, e do outro lado para muitos, está o inexistente. A inexistência de memórias, de sonhos, de amor, da própria pessoa que partiu.

Segundo o data SUS somente no RS são mais de 17 mil famílias impactadas pela perda de um filho em 3 anos. Contando filhos estes que morrerem até 19 anos.

Vocês sabiam disso? Vocês já pensaram sobre isso?

Eu antes de perder Helena, não.

Eu disse frases como:

-Ainda nem era um bebê porque ela sofre tanto -quando alguém que conheci sofreu uma perda gestacional

-Deus quis assim...

-Era hora dele...

Não tinha ideia que aquele bebê tinha sido gerado a muito tempo, na imaginação dos pais, e antes mesmo de ser concebido, já era amado. Não tinha ideia que para minha mãe não foi Deus que escolheu a hora de minha irmã com 21 anos perder a vida em um acidente de carro.

Os anos passaram e em meio a uma refeição meus pais choravam. E eu me perguntava, se faziam 2 anos da morte dela porque eles choravam.

Hoje sei.

Eles tentavam encobrir o amor por ela, dentro das paredes de nossa casa, cansados de ouvir frases como as que eu mesma diria anos depois.

Não tem o que fazer, senão seguir em frente, eles ouviram tantas vezes, assim como eu agora.

E pergunto a vocês, nessa situação, socialmente seguir em frente quer dizer o que:

-Não falar mais do filho? Não chorar mais por ele?

Sim, mas quando não perdemos um filho, temos dificuldade em compreender o impacto de dizer essas frases.

Os pais seguem em frente no dia após a perda, que levantam e seguem vivendo, da forma que conseguem, não como querem que eles façam.

Não há fórmulas mágicas. Perder um filho dói, para sempre, assim diz minha mãe, que desde os anos 90 sente uma saudade imensa no coração, pela minha irmã que tenho certeza meus pais ainda imaginam como estaria.

Com filhos? Casada? Solteira? Seria uma empresária? Uma professora, uma artesã?

Naquela noite de carnaval foi muito mais que a vida da Rosane que se perdeu, foram todas os sonhos e vida que ela tinha pela frente.

Assim como de Helena, minha tão amada filha que perdeu a vida depois de uma luta de 12 horas à espera de um leito de UTI neonatal em 2012.

Ela não conheceu a chuva, o mar, o luar...

Não sei o que ela ia gostar, sonho que seria delicada, completamente diferente de mim.

Mas isso é só um sonho, como tudo relacionado a ela nos dias de hoje.

Alguém que amo me disse que todas os verbos ditos em relação a Helena seriam dito no passado, e me doeu tanto que não consigo por aqui em palavras.

Mas era a dura realidade, assim como a realidade da própria morte que não há reversão.

A diferença em tudo isso, entre o completo abandono que senti ao ouvir frases como esta e sentir o amor vivo por Helena dentro de mim e passar os dias tentando escondê-lo, está na informação, na troca.

Tudo bem não estar bem, afinal perdi alguém que amo muito.

Não preciso voltar a ser como “antes” porque isso faz parte da minha biografia.

Como um jarro de vidro, quebrado e refeito.

Nunca mais vai ser igual, mas vai voltar a guardar água mesmo com tantas rachaduras.

Helena faz parte da minha vida, ela não é minha filha que morreu, é minha filha – ponto –

E isso realmente é difícil mensurar para quem nunca pensou sobre.

Filhos que morrem, são filhos, e ponto.

E tudo bem falar e relembrar deles 20 anos após sua morte. Você não falaria do seu filho na faculdade?

Então. Nós falamos que sonhamos com a faculdade dele.

Com a morte de um filho não é “só” isso que nos dói.

É a formatura que nunca vai chegar, a festa de quinze anos, o casamento, os netos…

Como não partilhar isso com alguém? Pelo menos ter a liberdade de imaginar a cena, como seria, que roupa o filho estaria.

É importante dizer que sim, esses sonhos jamais vão chegar relacionado aquele filho.

Porque precisamos lembrar que um filho é único.

E como quando vivos, não amamos mais nenhum, nem o outro.

Tantas vezes ouvi que amo mais ela, que meu segundo filho, e peço a Deus que ele nunca se aproxime de pessoas frias o bastante para dizer isso. O tabu da morte faz isso conosco.

Falar de alguém que morreu, é falar da vida e amor por aquela pessoa, nem de longe falamos só de morte.

Posso garantir, não que precise, porque na realidade sabe somente quem sente. Mas Helano trouxe vida aos meus dias.

Como digo, ele nasceu de mim e eu renasci dele. Nem todas /todos conseguem

E não, não é como nos filmes.

A falta de compreensão do luto, me fez ter consequências em toda minha maternidade com o Helano, que arrecem hoje começa a se acomodar. Precisamos começar a ter maturidade quando o assunto é morte.

Hoje, nessa romantização da perda, em que só falamos da esperança de um outro filho, de um arco íris, esquecemos que antes dele, precisamos amadurecer a ponto de conseguir viver com a chuva e também o sol.

A tristeza da saudade não some, a dor não se transforma em amor, ela permanece dor, mais madura, mais acomodada, mas ainda assim dor.

O que se transforma é o amor. O amor por alguém presente, pelo amor a distância inenarrável do desconhecido.

Assim que pais como meu marido, meus pais e eu vivemos diariamente.

Você já se perguntou como é injusto fazer isso sem nenhuma lugar de apoio?

É assim que a maioria dessas 17 mil famílias no estado ficaram após viver algo difícil de pronunciar, que dirá viver:

O rompimento da ordem da vida. A morte daquele que vimos nascer.

Se você buscar em sua memória, garanto que encontrará algum parente, vizinho ou amigo que perdeu um filho. Sim, perder “na barriga” também é perder um filho, hoje sei. Amor não se mede pelo ponteiro de um relógio.

E isso é um único ponto a pensar, em mil pontos que precisamos discutir sobre luto parental.

Que possamos dar início nesse diálogo, para construirmos projetos de lei com diretrizes de boas práticas sobre luto parental, uma rede de apoio aos pais, e a produção de dados para embasar movimentos sociais e fomentar estudos e pesquisas."

(Tatiana Maffini, mãe da Helena e do Helano, fundadora e diretora executiva da ONG Amada Helena)

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