"O brincar é a potência do existir, do aprender, sem perceber o esforço em vencer os desafios diários que o mundo, as relações e as próprias frustrações oferecem a cada criança em pleno processo de transformações contínuas", diz Teresa Ruas sobre a importância da Semana Mundial do Brincar.
Durante essa semana, celebramos a Semana Mundial do Brincar, que fala sobre a importância das brincadeiras na vida de todas as nossas crianças e adolescentes. Por isso, escolhi iniciar a coluna desse mês de maio, com a conclusão de uma palestra final que aconteceu no Congresso Mundial de Desenvolvimento Infantil e Saúde Mental IACAPAP 2024, de 20 a 24 deste mesmo mês, pela primeira vez no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.
A palestra final contava com a participação de pesquisadores e profissionais com larga experiência clínica na área da saúde mental, desenvolvimento infantil e adolescência e, dialogaram sobre as perspectivas futuras para uma melhor prática de cuidado e atenção com nossas crianças e adolescentes.
Diante do alarmante aumento dos transtornos mentais em nossas crianças e adolescentes, especialmente no que tange ao transtorno de ansiedade e depressão, compreender as novas perspectivas clínicas é de fundamental importância. Porém, a maior surpresa foi verificarmos que as perspectivas futuras, na verdade, são atemporais. Atemporais, porque nunca deixaram de existir como fundamentais para toda a estruturação psíquica, emocional, desenvolvimentista e social de toda criança em pleno processo de descobertas, crescimento, desenvolvimento e aprendizagem. Porém, um pouco “esquecidas”, “desprezadas”, ainda “desvalorizadas” em uma sociedade imediatista, movida pela tecnologia, recursos inovadores e capitalista.
O contato afetivo entre filhos e pais, sincronizado pelo contato de olho duradouro, toque profundo entre crianças e adultos, sentindo mãos/faces/ braços/pernas; sorrisos e abraços duradouros, com trocas de olhares; momentos lúdicos por meio do brincar livre e contato com a natureza; boas conversas e leituras, contação e invenção de histórias foram os “valiosos recursos” que abrirão caminhos para o cuidado com a saúde mental de nossas crianças e adolescentes.
Ao ouvir que os recursos das práticas clínicas futuras são justamente o que faz parte da cultura humana, do que nos demarca realmente como seres humanos que necessitam da relação afetiva de forma direta e duradoura para crescermos, desenvolvermos, aquietarmos as nossas dores, angústias e potencializarmos o nosso próprio ser, pensei: “parece que estamos voltando para as origens da nossa própria existência, depois de tantas viagens”.
Os especialistas em desenvolvimento e aprendizagem infantil, ao escancararem a necessidade vital da relação afetiva, do brincar livremente, do contato com a natureza, estão tentando GRITAR para toda sociedade que, apesar de todo o aspecto positivo que a tecnologia nos trouxe, NADA supera a força de uma relação afetiva duradoura entre seres humanos. Seres humanos que são convidados a brincar, sorrir, rolar na grama, dar cambalhotas, abraçar, jogar bola, soltar pipa. NADA supera a força vital da relação humana e do brincar para as nossas crianças e adolescentes.
O brincar é, justamente, o contexto e a ocupação significativa infantil que potencializa a motivação intrínseca da criança e a faz manter-se atenta às infinitas correlações que necessita fazer entre o que ela já sabe, com o que está acabando de conhecer/experimentar/vivenciar, além de representá-las de acordo com as experiências de seu dia a dia e seu contexto sociocultural. Em outras palavras, o brincar é a potência do existir, do aprender, sem perceber o esforço em vencer os desafios diários que o mundo, as relações e as próprias frustrações oferecem a cada criança em pleno processo de transformações contínuas.
Não expor nossas crianças pequenas e bebês às telas, não presenteá-las com um celular, não passar a tarde toda jogando joguinhos eletrônicos e, ao invés disso, conseguirmos brincar ao ar livre, por exemplo, estaremos prevenindo, de forma significativa, os transtornos mentais, transtornos de aprendizagem e/ou atrasos significativos no neurodesenvolvimento de nossas crianças.
O maior motivo para acreditar que dará certa toda essa “recapitulação”, enfrentamento e fortalecimento sobre a importância das relações afetivas duradouras e do brincar livre em prol da saúde mental pós pandemia, é que não tem nada mais belo, mais saudável, mais existencial do que estabelecermos o amor com as nossas crianças por meio do que elas mais desejam fazer: BRINCAR.
Essa atividade humana sustentáculo para toda a estruturação psíquica de qualquer indivíduo precisa, realmente, estar presente nas políticas públicas da saúde, educação e cidadania. Somente dessa forma, agiremos na prevenção e acompanhamento da saúde mental infantil, com foco na proteção, no oferecimento de oportunidades significativas para o desenvolvimento e aprendizagem, na segurança, na individualidade e na força do afeto. É possivel diminuirmos a incidencia de tantos transtornos mentais, pois os seres humanos ainda acreditam na força do amor e da relação afetiva. Enquanto eu estiver viva, uma das minhas missões é mostrar o quão sustentáculo e existencial é a afetividade e o brincar na vida familiar, comunitária e educacional de nossas crianças.
Um grande abraço, Teresa Ruas.
Autoria: Teresa Ruas, Dra em Ciências da Saúde, especialista em desenvolvimento infantil, voluntária da Ong.Prematuridade.com, fundadora do @prematurosbr e mãe de 2 prematuros.
Fonte: Crescer