No primeiro semestre, enquanto países ao redor do mundo diziam às pessoas para ficarem em casa a fim de diminuir a propagação do novo coronavírus, médicos das unidades de terapia intensiva neonatais (UTINs) observavam algo estranho: o número de bebês prematuros estava caindo, em alguns casos, drasticamente.
Tudo começou com médicos na Irlanda e na Dinamarca. Cada equipe, desconhecendo o trabalho da outra, analisou os números de sua própria região ou país e descobriu que, durante o lockdown, os partos prematuros - principalmente os casos mais perigosos, os de bebês com menos semanas - haviam diminuído. Quando compartilharam suas descobertas, eles ouviram relatos de episódios semelhantes de outros países.
Eles não sabem o que causou a redução de partos prematuros e conseguem apenas especular quanto aos fatores do bloqueio total que podem ter contribuído. Porém, pesquisas adicionais podem ajudar médicos, cientistas e futuros pais a entender as causas do parto prematuro e as maneiras de evitá-lo, o que têm sido elusivas até agora. Seus estudos ainda não foram revisados por pares e foram publicados apenas em servidores de pré-publicação. Em alguns casos, as mudanças correspondem somente a alguns bebês a menos por hospital. Mas eles representaram reduções significativas do padrão e alguns especialistas em partos prematuros acham que a pesquisa é digna de investigação adicional.
"Esses resultados são convincentes", disse Denise Jamieson, professora do departamento de obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Emory, em Atlanta.
Cerca de 1 em cada 10 bebês americanos nasce antes do previsto. A gravidez geralmente dura cerca de 40 semanas, e qualquer parto antes de 37 semanas é considerado prematuro. Os custos para as crianças e suas famílias - financeiramente, emocionalmente e com efeitos para a saúde a longo prazo - podem ser grandes. De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC na sigla em inglês), os bebês prematuros, especialmente os nascidos antes completar 32 semanas, correm maior risco de desenvolver problemas de visão e audição, paralisia cerebral e morte.
A melhor maneira de evitar esses custos seria prevenir o nascimento prematuro, disse Roy Philip, neonatologista do Hospital Maternidade da Universidade Limerick, na Irlanda.
Philip estava de férias no exterior quando seu país entrou em lockdown, em 12 de março, e notou algo incomum quando voltou ao trabalho no final daquele mês. Ele perguntou por que, enquanto ele estava fora, não houve pedidos do fortificante à base de leite materno com o qual os médicos alimentam os menores bebês do hospital. A equipe do hospital disse que não houve necessidade, porque nenhum desses bebês havia nascido durante todo o mês.
Intrigado, Philip e seus colegas compararam os nascimentos no hospital até então em 2020 com os nascimentos entre janeiro e abril em todos os anos desde 2001 - mais de 30 mil no total. Eles analisaram o peso dos nascidos, um indicador útil em nascimentos muito prematuros.
"Primeiro, pensei: 'Há algum erro nos números'", disse Philip.
Nas últimas duas décadas, os bebês com menos de 1,5 quilo, classificados como peso muito baixo, representaram cerca de 8 em cada 1.000 nascidos vivos no hospital, que atende a uma região de 473 mil pessoas. Em 2020, a taxa era de cerca de um quarto disso. Os bebês muito pequenos, com menos de um quilo e com peso de nascimento extremamente baixo, geralmente são 3 em cada 1.000 nascimentos. Deveria ter nascido pelo menos alguns naquele período - mas não houve nenhum.
O período do estudo foi até o final de abril. No final de junho, com a redução do lockdown no país, Philip disse que ainda havia pouquíssimos prematuros nascidos em seu hospital. Em duas décadas, ele disse, nunca tinha visto nada parecido com esses números.
Enquanto a equipe irlandesa estava investigando seus dados, pesquisadores na Dinamarca estavam fazendo a mesma coisa, motivados pela curiosidade sobre uma UTIN "quase vazia". Michael Christiansen, do Instituto Statens Serum, em Copenhague, e seus colegas usaram dados de triagem neonatal para comparar nascimentos em todo o país durante o período mais rigoroso de bloqueio total, de 12 de março a 14 de abril, com nascimentos durante o mesmo período nos cinco anos anteriores. O conjunto de dados incluiu mais de 31 mil bebês.
Os pesquisadores descobriram que durante o lockdown, a taxa de bebês nascidos antes de 28 semanas tinha diminuído impressionantes 90%.
Relatos de médicos de outros hospitais ao redor do mundo sugerem que o fenômeno pode ter sido generalizado, embora não universal.
Nos Estados Unidos, Stephen Patrick, neonatologista do Hospital Infantil Vanderbilt em Nashville, Tennessee, estimou que havia cerca de 20% menos bebês em UTIN do que o habitual em março. Embora alguns bebês a termo fiquem na UTIN, Patrick disse que os bebês prematuros geralmente compõem a maioria dos pacientes, e a queda parecia ter sido causada pela redução de bebês prematuros.
Quando Patrick compartilhou sua observação no Twitter, alguns médicos dos Estados Unidos relataram histórias semelhantes. Outros disseram que suas UTINs estavam mais ocupadas do que nunca. Alguns grupos de outros países disseram que também não viram uma mudança.
Se os lockdowns impediram o nascimento prematuro em certos lugares, mas não em outros, essas informações poderiam ajudar a revelar as causas do parto prematuro. Os pesquisadores especularam quanto aos fatores potenciais.
Um deles poderia ser o descanso. Ao ficar em casa, algumas mulheres grávidas podem ter sofrido menos estresse em relação ao trabalho do que quando precisam se deslocar, dormiram mais e receberam mais apoio de suas famílias, disseram os pesquisadores.
As mulheres que ficaram em casa também poderiam ter evitado infecções no geral, não apenas a do novo coronavírus. Alguns vírus, como o da gripe, podem aumentar as chances de parto prematuro.
A poluição do ar, que tem sido associada a alguns nascimentos prematuros, também caiu durante os bloqueios totais, pois os carros ficaram fora das estradas.
Denise disse que as observações foram surpreendentes porque ela esperava ver mais nascimentos prematuros durante o estresse da pandemia, e não menos.
"Parece que experimentamos um tremendo estresse nos Estados Unidos devido à covid-19", disse ela.
Mas todas as mulheres grávidas podem não ter passado pela experiência do lockdown da mesma maneira, disse ela, já que diferentes países possuem redes de segurança social em geral, e o estresse do desemprego e da insegurança financeira pode ter afetado desigualmente as comunidades.
Alguns nascimentos prematuros posteriores também podem ter sido evitados durante os bloqueios totais, simplesmente porque os médicos não estavam induzindo as mães por razões como pressão alta, disse Denise. Mas isso não explicaria uma mudança nos nascimentos prematuros muito precoces, como descobriram os autores dinamarqueses e irlandeses.
Tradução: Romina Cácia
Fonte: Terra (notícia original publicada em 21/07/20).
(Foto: Reprodução)