Por Zaira Custódio, Membro do Conselho Científico da ONG Prematuridade.com - Associação Brasileira de Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuros
O nascimento pré-termo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) é aquele que ocorre até 36 semanas e 6 dias de gestação. Normalmente, o nascimento de um filho é um período de transição no ciclo vital e de importantes mudanças na vida de um homem, de uma mulher e na interação conjugal.
Quando este nascimento é de um bebê pré-termo e sua internação numa Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), a transição não é normativa, desencadeando uma situação de crise aguda nos pais com repercussões em toda a família.
Nesse momento, a vivência psíquica da mãe é intensa, e desejo, culpa, medo, esperança e ansiedade se misturam de forma ambivalente. O pai também tem um turbilhão de sentimentos e preocupações que se mesclam nessa situação, além de demonstrar certa insegurança, pois associam o bebê pré-termo a necessidades especiais, problemas de saúde, sensibilidade e fragilidade.
A ansiedade e solidão vividos por ele vão aumentando, devido a distância e as dificuldades de permanecer próximo do bebê e da sua companheira, dada a condição de retorno ao trabalho durante o período de hospitalização do filho.
Buscando humanizar a assistência aos recém-nascidos pré-termo e de baixo peso, seus pais e familiares, o Brasil vem trabalhando desde o ano de 2000 a partir da visão da Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso Método Canguru (Brasil, 2017). Ele vem sendo disseminado nas maternidades do país como uma política de saúde.
Esse modelo de atenção busca oferecer um atendimento individualizado ao bebê, por meio da observação de seu estado comportamental, e visa oferecer-lhe qualidade neurológica, nutricional e psicoafetiva. Prioriza, também, o acolhimento aos pais, que têm acesso e permanência livre à unidade neonatal e são acompanhados pela equipe interdisciplinar durante a internação do bebê.
Método Canguru
Um dos pilares do Método Canguru é o contato pele a pele entre o bebê e seus pais. O contato pele a pele começa de forma precoce e crescente desde o toque evoluindo até a posição canguru, a qual consiste em manter o bebê ligeiramente vestido, na posição vertical e contra o peito de seus pais.
Há uma ampla literatura demonstrando os benefícios do Método Canguru em todas as ações nele preconizadas. No que diz respeito ao contato pele a pele entre o bebê e seus pais destaca-se a melhora da evolução clínica do bebê, ganho de peso, aumento no índice de aleitamento materno, aumento da segurança dos pais durante cuidados de alimentação e higiene ao bebê, estimula a formação e fortalecimento do vínculo afetivo e diminuição do impacto provocado nos pais pela prematuridade.
Assim como a mãe constrói um espaço para o bebê habitar, o pai busca este espaço através de aproximações e envolvimento com o bebê de forma processual na medida em que aumenta sua permanência na UTIN, quando observa, conversa e toca em seu filho.
Contato pele a pele com o pai
O contato pele a pele, por meio do toque, desencadeia no pai a percepção de que o bebê lhe responde e lhe reconhece, como expressa este depoimento: "O melhor de tudo era ver ele reagindo já na hora que eu começava alisar... Punha o meu dedo na mãozinha dele, via e sentia que ele segurava meu dedo, apertava e abria os olhos" (Tronchin & Tsunechir, 2006).
O pai, desta forma, sente-se pertencente à equipe de saúde e no lugar de pai-cuidador segue investindo afetivamente no bebê.
A pele é o mais extenso órgão dos sentidos. O pai em contato pele a pele com o bebê oferece um holding, ou seja, um ambiente capaz de conter, de sustentar física e emocionalmente. Da mesma forma, o pai experimenta o sentimento de que o bebê lhe pertence e de que pode lhe oferecer algo concreto.
Além disso, recebe em troca as expressões e demonstrações de reconhecimento, como descrito no relato: "O pai tinha acesso livre... Eu entrava, lavava as mãos, vestia a roupa e corria pra ver ele, tocar nele. O melhor de tudo era ver ele reagindo... Ele sentia, tenho certeza, acho que eu transmitia alguma energia, não sei explicar. Só mesmo vendo!" (Tronchin & Tsunechir, 2006).
O aconchegar o filho em contato pele a pele tem se mostrado reconfortador para o pai fortalecendo os laços de afeto, pois a sua sensação é de estar por inteiro com o bebê. Mesmo que os pais, em sua maioria, dispõem de pouco tempo para permanecerem junto aos seus filhos devido suas condições de trabalho, as trocas afetivas e a sensação de segurança nutridas em cada encontro tem se mostrado fundamentais no fortalecimento da relação entre os dois.
Isso também tem capacitado o pai na realização dos cuidados em geral. Quando o pai estabelece um contato precoce com seu filho, o segura no colo e auxilia nos seus cuidados, desde a internação na UTIN, tende a realizar tais tarefas com mais freqüência durante a vida do filho.
Nesta perspectiva, quando os profissionais de saúde mostram aos pais os comportamentos apresentados pelos bebês durante seus contatos, produz um efeito positivo, tornando-os mais sensível às suas reações e respondendo mais rapidamente aos seus comportamentos.
Portanto, quanto mais precocemente o pai for inserido no processo de gestação, nascimento e cuidados com seu filho pré-termo, maiores as chances de se estabelecer um vínculo forte e saudável entre eles e de desenvolver, no homem, uma postura co-parental.
O cuidado realizado pelo pai se diferencia do da mãe, o que possibilita maior diversidade de experiências ao bebê, enriquecendo seu processo de desenvolvimento, ao mesmo tempo que contribui na interação entre seus pais.
Zaira Aparecida de Oliveira Custódio é psicóloga da Maternidade do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina e Consultora do Ministério da Saúde para o Método Canguru.
Referências bibliográficas:
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Método Canguru: diretrizes do cuidado. Brasília: Ministério da Saúde, 2018.
Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de ações programáticas estratégicas. Atenção Humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. Manual técnico. 2a ed. Brasilia: Ministério da saúde, 2017.
Tronchin DMR, Tsunechiro MA. Cuidar e o conviver com o filho prematuro: a experiência do pai. Rev Latino-am Enfermagem 2006, janeiro-fevereiro, 14(1):93-10.
Waldow, Doris. Concepções do pai acerca da prematuridade do seu filho. Florianópolis, Dissertação ? Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina. 166f. 2007.
Publicado no portal Minha Vida, em 23/09/2019.