Por Teresa Ruas para Revista Crescer (28/09/2022)
Como sempre afirmo em meus textos, sabe-se o quanto a prematuridade é uma realidade complexa e que não se finaliza com a alta hospitalar. As necessidades impostas por um nascimento prematuro, especialmente o extremo, vão muito além, por exemplo, de ganhar peso e adequar curva de crescimento e podem gerar consequências para a criança e famílias envolvidas, a longo prazo. Exatamente, porque as necessidades apresentadas podem ser, antes de tudo, multifatoriais, envolvendo, inclusive, o contexto socioafetivo e cultural de toda família.
Ter a tão sonhada alta hospitalar, especialmente em casos de longa internação, é com certeza um dos dias mais importantes da vida de uma família prematura. Como pais de UTI Neonatal/ Pediátrica, nunca iremos nos esquecer da data de nossa primeira alta de uma UTI. Porém, muitas famílias, assim como a minha, também enfrentam ou já enfrentaram diversas altas de uma UTI ou contexto hospitalar, exatamente por terem que retornar ao contexto hospitalar para darem continuidade ao acompanhamento, tratamento, cirurgias ou medidas clínicas/médicas que se tornam vitais para a sobrevivência, crescimento, desenvolvimento e aprendizagem de uma criança nascida prematuramente.
Felizmente, muitos prematuros vivenciam a primeira e única alta hospitalar. Mas, muitos outros permeiam o contexto hospitalar, entre idas e vindas, durante diferentes fases de suas vidas. Para essas famílias, o sentimento de gratidão e felicidade diante de cada nova alta hospitalar e desafio vencido terá a mesma intensidade emocional, como sentido na primeira alta.
As consequências a longo prazo de um nascimento prematuro, tais como a supracitada, afeta diretamente a saúde psíquica, emocional e social dos pais, irmãos mais velhos, avós e familiares envolvidos com a prematuridade. É uma realidade, contexto e emergência social e de saúde mental. Sem dúvida nenhuma as necessidades médicas apresentadas no campo biológico/fisiológico apresentadas por uma criança nascida prematuramente e em diferentes fases do desenvolvimento/crescimento são prioridade para a manutenção da vida. Porém, a saúde mental, o estado emocional, a realidade social e a qualidade de vida de todos os envolvidos com a prematuridade também são fatores determinantes para a garantia do bem-estar. Estamos falando, portando de uma realidade multifatorial que vai muito além do contexto hospitalar e de todas as batalhas e vitórias vividas ali.
O setembro amarelo vem nos remeter a essa reflexão importante e que deve ser uma medida de saúde pública: a prematuridade, além de não se finalizar com a alta hospitalar, é um contexto que pode emergir necessidades multifatoriais, envolvendo, inclusive a saúde mental e contexto social de todos os envolvidos.
E, pensar na saúde mental de pais e famílias que enfrentam a prematuridade, requer não somente ações de âmbito nacional, como as que são realizadas brilhantemente, por exemplo, pela ONG Prematuridade.com, a qual com muito orgulho sou voluntária, mas ações rotineiras e diárias envolvendo toda a rede de saúde, social e afetiva que essa criança e família apresentam.
Por exemplo:
Os irmãos mais velhos também precisam ser acolhidos, acompanhados e priorizados em seus contextos familiares, apesar de nós pais, estarmos extremamente envolvidos em diversas necessidades clínicas e de tratamentos que os filhos nascidos prematuramente apresentam. As UTIs Neonatais/ Pediátricas também precisam priorizar os irmãos mais velhos em todos os processos de internação hospitalar.
Os avós são redes de suporte social e afetivo extremamente importantes. Apesar de serem mais experientes e vividos, diante de tantas “labutas” que a vida já lhes apresentou, eles também sofrem muito diante de todas as batalhas e desafios vividos por seus filhos e netos. Os avós também precisam ser ouvidos, acolhidos, acompanhados e desde o contexto de UTI neonatal.
Os pais precisam ser ouvidos, acolhidos e compreendidos em todas as fases de possíveis tratamentos, internações ou outras necessidades. As pessoas que mais conhecem as características, estado emocional, o que agrada e o que desagrada um bebê ou criança pequena são os seus pais. As colocações dos pais para a equipe médica e interdisciplinar de todo e qualquer contexto hospitalar precisam ser devidamente validadas e compreendidas. Nenhuma colocação de um pai é para colocar a vida de seu filho em risco. Muito pelo contrário, é para auxiliar médicos, enfermeiros e terapeutas na busca pelo melhor caminho a ser tomado. Os pais são e precisam fazer parte, de forma ativa e dinâmica, de todo tratamento/acompanhamento que seu filho será submetido.
Jamais tenham dó diante da história e trajetória trilhadas por uma criança nascida prematuramente e sua família, especialmente quando ela apresentar qualquer necessidade especial. A gratidão pela vida, o orgulho pela resiliência desenvolvida a curto e a longo prazo, a admiração por todas as conquistas é o que enche os corações dos pais de mais força, fé, esperança, amor e gratidão. E um coração cheio de gratidão é um coração ávido por mais sentimentos bons e fluidos.
Jamais julgue os pais e suas escolhas. Tente, antes de tudo, ajudar e compreendê-los.
Jamais pense que uma criança com deficiência não consegue entender o que se passa ao seu redor. Elas captam e compreendem tudo. A forma de responder alguma demanda ambiental pode ser até diferente, mas isso não indica que ela não esteja compreendendo o que se passa no meio. Sempre se dirija a ela, falando o seu nome, perguntando como ela está, do que gostaria de brincar, qual é a brincadeira predileta, a música preferida ... assim como fazemos com qualquer criança em desenvolvimento e crescimento.
Profissionais de saúde sempre pratiquem condutas baseadas na humanização e no reconhecimento da história de vida de uma criança, sua família e todos os envolvidos. As cirurgias, os contextos de internação, terapias, consultas podem e devem ser regadas pela realidade lúdica. É brincando que a criança consegue expressar a sua mais inata linguagem e sentimentos. Se uma criança, por exemplo, está apavorada com os curativos, procedimentos cirúrgicos, os faça primeiro em seu ursinho/brinquedo predileto. Mostre-lhe quais são os materiais que serão utilizados e para que servem. Em qualquer estágio ou fase de desenvolvimento, é imprescindível que a equipe clínica, especialmente a médica e de enfermagem, peçam licença para tocar o corpo da criança e antecipe/ explique para ela tudo o que será feito, respeitando as características apresentadas pela criança e família. Uma relação de cuidado integral à saúde ganha potência quando a criança e família se sentem seguros e acolhidos em suas diferentes necessidades e realidades.
Nunca ache que uma criança com necessidades especiais/deficiência não será capaz de aprender ou vivenciar todas as etapas do ensino acadêmico.
Nunca julgue a espiritualidade de uma família.
Tenha empatia. Saiba se colocar no lugar do outro. E saiba reconhecer o quanto existem dias muito difíceis, doloridos e pesados para uma criança e família. Frequentemente, nesses dias o ato de escuta já pode auxiliar e muito.
Um abraço pode valer muito mais do que mil palavras.
Acolha cada lágrima e cada sorriso. A vida é constituída pelas marcas mais significativas que um sorriso e uma lágrima podem expressam para a essência humana.
Diante de alguns exemplos supracitados, fica mais fácil visualizarmos que acompanhar e favorecer a saúde mental e socioemocional de todos os envolvidos com a prematuridade também requer a delicadeza, empatia e sensibilidade de cada um de nós e em todos os contextos, seja o hospitalar, familiar, educacional, social. O cuidado com a saúde mental requer ações no contexto econômico, político, macrossocial, mas também requer atitudes e condutas individuais e rotineiras, afinal de contas é diante da união de cada conduta individual, que a real força se expressará.
Por último, gostaria de mencionar três Instagram que simbolizam todos os prematuros e famílias que eu tenho a honra de conhecer todos os dias e por mais de 20 anos de experiência profissional e que me ajudam muito em nosso projeto social e interdisciplinar @prematurosbr: @asvittoriasdaanna, @redarzi, @oitallolemos. Formamos e somos uma grande família!
Com amor, Teresa Ruas, cientista e mãe de dois prematuros.
Fonte: Revista Crescer