04 de Dezembro de 2018

Maya Vitória, meu milagre de 620 gramas

"Minha maior história de amor começou após descobrir um cisto no ovário de 7cm. Após tratamento com medicações, esse cisto desapareceu, mostrando uma gravidez de seis semanas. Ouvir o coração de um bebê batendo naquele monitor foi inexplicável! Uma mistura de alegria, surpresa e medo. Medo porque eu havia tomado medicação forte. Medo porque naquele mesmo monitor em menos de um ano eu tinha visto minha primeira filha, com 24 semanas, sem batimentos na barriga. Minha amada Heloisa, um anjinho que olha do céu por mim. Porém era um tempo de renascimento. Eu renascia como mãe e mulher.

Então, com 18 semanas, descobria que carregava em meu ventre uma menininha. Mais uma flor para embelezar o meu jardim. O nome Maya foi escolhido. De diversas simbologias, o nome reflete \"transformação e limpeza\", em analogia à água (do Tupi) e a de \"origem e amor\", numa referência à mãe (do grego). Também há uma variação do latim e asteca, que significa \"grande\" e \"capaz\". Na variação greco-romana, Maya era conhecida como a deusa da terra, da \"Primavera\" e do \"renascimento\". Acreditavam que ela era a responsável por fazer todas as plantas ganharem vida e as flores desabrocharem depois dos períodos frios do inverno, onde tudo estava sem vida e cinza. Levei uma gestação com altos e baixos, mas com 22 semanas descobri o desesperador: uma trombofilia na placenta, condição em que criam-se coágulos na placenta e, aos poucos, o bebê para de receber tudo o que precisa para viver na barriga. Iniciou-se uma corrida contra o tempo, pois junto à trombofilia, veio também a hipertensão. Não havia tratamento. Quando descobri que minha nova bebê estava com restrição de crescimento e com quase nada de líquido foi desesperador: do jeito que estava ela não duraria nem 24 horas na barriga, mas fora dela também não sobreviveria. Me internaram pois não sabiam o que esperar mais de uma gravidez pré-condenada a não durar o tempo necessário.

Foram 20 dias de internação. Medicamentos para pressão e injeções de Clexane na barriga todos os dias. Ultrassom de 3 em 3 dias e sempre ouvia: “pouco líquido, ela continua em centralização fetal, não cresceu, não temos mais o que fazer, temos que colocar o pé no chão, ela pode não conseguir”. Era verdade e os médicos com muito jeitinho explicavam para mim. 3 vezes ao dia iam com o sonar escutar as batidas do coração. O desespero tomava conta de mim e da enfermeira quando demoravam para achar. Mas lá estava o tum tum tum que indicava "tô viva, tô viva, tô viva".

Na última semana de internada, dia sim dia não comecei a sentir uma dor muito forte no fígado. A dor era tão forte que vomitava. Tentava segurar ao máximo, para não piorar a situação dentro da minha princesa na barriga. Mas era algo muito forte. Então após resultados altos nos exames, fui levada à UTI. Lá permaneci por 4 dias monitorada, pois estava com indicação provável de Síndrome de Hellp. Então, numa terça-feira, a noite, dia 25/07, fui informada que precisariam fazer meu parto às pressas, pois meu fígado estava lesionando e eu corria sérios riscos de morte. Estava com 26 semanas, mas com uma bebê que não desenvolvia desde 24 semanas. Lembro de ter perguntado: "Mas vocês irão levar ela para UTI né?". Em meio a olhares que não acreditavam que ela chegaria a UTI, eu orei. Orei firme e em silêncio. Senti medo. Desespero. Então orei novamente. Cantei baixo dois louvores que colocava na barriga para Maya escutar: Não é tarde (Anderson Freire e Fernanda Brum) e Bom Futuro (Renascer). Me encorajei e tomei posse da minha promessa.

Enquanto estava esperando a anestesia, me lembrei daquela caminhada. Lembrei das vezes em que eu internada conversava com a minha princesa até sentir um leve chute que indicava: Mãe, to aqui mãe, mesmo quando tudo diz que não posso eu tô aqui. A esperança viva está. Fui acolhida na sala de parto pelo Dr. Baeta e Dra. Mariliz. O anestesista, Dr. Alex, brincando comigo, com muita simpatia. Todos sabiam o que poderia acontecer, mas tentavam demonstrar que estava tudo bem. Toda equipe do Centro Cirúrgico nesse mesmo clima. Isso me acalmou. Então, após sentir um repuxão, ouvi a Dra. Mariliz dizer: A Maya nasceu. Em seguida, ouvi um chorinho agudo bem fraquinho e depois um mais baixinho. Era o choro da Maya, antes de entubá-la. Fiquei extasiada e surpresa. Lembro-me do papai dela dizer: Ela é bem pequena e cabeludinha... Depois, uma pessoa de muita luz, Dra. Monyca me avisou que ela tinha pesado 620g e media 31,5cm. Que alegria. Cada grama além do esperado aumentava a minha fé.

Retornei para UTI da Mulher sem ao menos conhecer minha filha. Tentei me controlar no pós operatório. Senti muitas e muitas dores. Assim que pude levantar, pedi então para alguém me acompanhar porque eu precisava conhecer minha filha. Me deseperava, pois conhecia a história de prematuros extremos. Poucos sobreviviam após as 48h, menos ainda duravam um mês, e desse pouquinho, raríssimos saiam sem sequelas. Entrando na UTI Neo, no leito 1, estava uma incubadora toda embaçada devido a umidificação e com a luz azul. Olhei pelas frestas e lá estava meu mais presente. Me emociono ao lembrar, porque sabia de todos os riscos e também sabia que o tamanho dela impressionava. Mas não consegui enxergá-la com outros olhos. Enxergava apenas a minha amada filha. Não chorei, a minha admiração era maior que qualquer desespero. Muito magrinha, muito frágil, mas com uma força inabalável. Era minha Maya. Maya Vitória.

Assim que foi liberado, um dos anjos (enfermagem extremamente carinhosa) da UTI da Mulher me disse que era para eu estimular o leite porque havia sido liberado a Colostroterapia, método de introduzir o leite materno pela sondinha do bebê ou na boquinha. Fui levada a tão famosa Sala da Ordenha. Mas peraí, como fazer o corpo de uma mãe de prematuro de 26 semanas entender que teria que fabricar o leite e fazê-lo descer? Aí começava uma grande luta. Foram horas e horas naquela sala. Contando gota por gota, se desesperando, saindo quase de madrugada, indo e voltando, mas com a necessidade de fazer acontecer. Não poderia desistir, era minha maior forma de contribuir naquele momento. Tive muita ajuda dos anjos (enfermagem), que apertavam daqui ou dali no começo. Conforme ela ia aceitando o leite, ia aumentando cada vez mais. Eu ouvia: Cássia, parabéns, nunca vimos uma mãe de prematuro ter leite assim. Eu agradecia a Deus por me dar forças. Por não desistir de ordenhar. Meus seios são marcados até hoje, porém faria tudo de novo e de novo. Maya mamou exclusivamente o leite materno até os 100 dias de vida dela. Glória a Deus por isso. Depois, começamos a mesclar com complemento, para acostumá-la também a outro tipo de oferta, mas o leite materno era a grande demanda.

Os dias foram seguindo, todo dia aquele frio antes de entrar na UTI. Toda aquela gratidão ao ver minha pequena guerreira. Orava ao chegar, orava ao ir embora. Poxa vida, como era difícil ir embora. Repouso da cesária? Isso não era possível. Comecei a focar na jornada que eu teria pela frente e parei de olhar o final dela. Aprendi a viver cada dia. Comemorei cada segundo de vida, cada grama alcançada, cada ml de leite aumentado, cada evolução, resultado de exames bons. Essa parte dos exames era desesperador. O bendito PCR nunca estava baixo, indicando infecções ou algo de errado. O Raio X então? A pergunta sempre era se estava menos pior. Raramente podia pegá-la no colo. Quando pegava, tinha que ser muito rápido. Mas eram sempre os melhores minutos da minha vida. O restante ficava ali, de pé, ao lado, cantando, orando, contando histórias. Ela sempre me ouviu. Um dos dias que me marcou muito foi o dia que cheguei, e após uma intercorrência de broncoaspiração, Maya estava muito mal. O respirador estava 100%. Os batimentos baixos. Cheia de bombas de medicação. Ali chorei. Não podia ser, eu tinha deixado ela bem a noite antes de ir. Mas é assim na vida de um prematuro: tudo muda rápido, não dá para confiar nesses carinhas rs.

Conheci muitas histórias, cada bebê com sua particularidade. Alguns viraram estrelinhas, que assim como minha Lolô, estão brilhando lá no céu. Meus eternos sentimentos a essas Mãezinhas, mulheres lindas e corajosas que foram escolhidas por Deus para gerarem anjos. Aos poucos, Maya foi ganhando peso. Foram 3 meses entubada. Tinha dias em que ela não respondia a algo e eu via olhares se cruzando dizendo: não temos mais o que fazer. Vários acessos, Picc, Flebotomia...Eram furinhos que não acabavam mais. Sem contar as tentativas sem sucesso. Isso era ruim. Mas logo passava. Porque Deus já sabia o que tinha que ser feito. E assim foi, Maya foi reagindo, se desenvolvendo. Por volta de 1,6kg ela foi levada ao meu peito para fazer reconhecimento do mamilo e ver qual seria a sua reação. Ela aproveitou a oportunidade que tinha, abocanhou e mamou, para surpresa de todos. Também, o que esperar de uma menininha que vivia “mamando” o tubo? Eu sabia que esse dia chegaria. Por isso mantive meu leite. Eu queria isso, muito muito. Ali vi que todo esforço valeu a pena. Amamentar dói, mas é um grande privilégio. Seguimos, ganhando peso e evoluindo. Vez ou outra, tomava um sanguinho (foram mais de 12 bolsas), uma medicação aqui outra ali.

Então, foi o grande dia. Depois de 157 dias internadas, a boa notícia veio! Sem nenhuma cirurgia, sem sequelas, eis que o bom futuro chegou. No dia 29 de dezembro de 2017, recebemos a alta dela. Depois de assistir mais de 9 corredores da alegria de amigas indo embora, tinha chegado a minha vez. Era o meu corredor da alegria. O mais perfeito de todos. Duas rampas de amigos, funcionários, desconhecidos, familiares, enfim, muita gente. Era o corredor do carinho. Todos aplaudiam, abraçavam, choravam e glorificavam a Deus. Uma verdadeira festa, com direito a bolo e bexiga. Todos admiravam meu milagrinho vestida de vermelho, como um coração que bate fora do meu peito. Ganhei as orquídeas mais lindas do mundo. Nas paredes tinham fotos e um quadro com uma foto minha segurando a Maya, com uma frase de Einstein que dizia: “Há duas maneiras de viver a vida. Uma é acreditando que não existem milagres. Outra é acreditando que tudo na vida é um milagre”. Assim eu fiz. Acreditei no poder de Deus. Acreditei que meu milagre ia acontecer. E aconteceu. Primeiramente agradeço ao Senhor nosso Deus, que me concedeu a dádiva de poder ser testemunha de um milagre. O verdadeiro milagre da vida. Agradeço ao papai mais babão que já vi. Agradeço a todo hospital, aos anjos da enfermagem, os médicos, fisios, fonos, amigos, conhecidos, a minha amada família, as orações... Deus abençoe.

Finalmente, agradeço a Maya Vitória. A pessoa mais corajosa e guerreira que já vi. Escrevo isso, espiando você dormindo tranquila e serena no bebê-conforto. Me passa um filme, só Deus sabe o que vivemos né, filha. Quanto tempo te esperei para apenas te aninhar nos meus braços, dar mama. Quantas intercorrências vencidas. Na sua frente, a mamãe segurava o tranco, mas aquele banheiro do berçário já viu meus joelhos e lágrimas várias vezes. Vencemos, menininha. Obrigada por ter me escolhido para ser sua mãe. Me orgulho de você a todo momento. Você passou por todo esse período de sofrimento, dores e luta, sempre brigando pela vida. Um dos propósitos da sua criação foi me ensinar o que é amor. Me mostrar o quanto forte eu posso ser. Me fazer mãe, mulher, amada e forte. Como pode, alguém de 620 gramas me fortalecer, me encher de energia e fazer eu me superar a cada novo dia. Para mim, foi um imenso prazer estar ao seu lado, segurando na sua mão todo esse tempo. Caminhamos e vencemos o deserto juntas, sempre abaixo das asas de Deus. Gratidão a você, minha pequena guerreira. Obrigada por transformar a minha vida. Serei sempre a mamãe que você merece. Te amo. “Eu sei que viverei para testemunhar, o milagre que Deus vai fazer nesse deserto, Venci, todos vão saber que eu venci, assim como Jesus venceu sou Herdeira de vitórias...”.

(relato da mamãe Cássia dos Santos Oliveira, enviado em 2018)

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