24 de Setembro de 2023
48 anos depois
Sede fortes e corajosos, Deuteronômio 31:6.
Essa deveria ser a frase impressa em toda UTI Neonatal.
De repente um gatilho aciona a dor, dor de desamparo, abandono, solidão, tristeza.
Mas já se passaram 48 anos, como é possível sentir essa dor ainda? Talvez esteja lá, impressa em cada célula, talvez esteja escondida, talvez esteja mais latente que eu possa imaginar.
Sim, eu sobrevivi a prematuridade, com 26 semanas, e 1,1kg, em uma época que não havia UTI Neonatal no hospital que nasci e fui levada para outro hospital, para lá ficar por 3 meses. A minha história foi sendo contada aos pedaços, pela mãe, avó, tias. Acredito que pela ótica do desconhecido, pelo inesperado, do medo, da incerteza e da dor. Dor essa que ficou comigo. Sim, eu sou mais velha que o Projeto Canguru, então houve separação, algum tempo depois por um novo pediatra que autorizou todas as mães a entrarem e tocarem nos seus bebês. Ganhei até um apelido, de vento em popa, ganhava peso para poder ir pra casa. Tinha a visita da minha vó materna e depois da minha mãe, quando se recuperou da infecção por uma agulha ou gase esquecida dentro do abdomem.
Nenhuma sequela, só histórias de médicos e pediatras despreparados que ao me entregar para a minha mãe, falaram que eu poderia ter a saúde fraca, ou ser mais "devagar" nos estudos em relação aos meus irmãos. E eu ainda perguntei quando criança, depois de ouvir essas histórias centenas de vezes, qual dos dois aconteceu? Os dois, essa foi a resposta da minha mãe. Na escola passava de recuperação, mas nunca reprovei como meu irmão, e aquele banho de mangueira no calor, sempre trazia um resfriado. Cresci, virei adulta, tive filho, mas a dor física, de agulhas sendo fincadas na pele, a dor emocional causada pela separação, essas permaneceram ao longo da vida, claro, terapias existem para isso, abranda mas não cura. Por isso que hoje voluntária da ONG Prematuridade, e fã número 1 do Projeto Canguru, que salva vidas. Não! Salva a vida e o emocional desses bebês, para que não carreguem a dor que carrego.
Se eu puder dar uma contribuição com a minha história, que toda mãe possa contar ao seu filho(a) como ele foi forte e corajoso. Contar sobre essa ótica, não sobre a ótica do medo, da incerteza, da insegurança e da dor. Mas sim, da coragem, da fortaleza, da certeza de um futuro bom, independente do que fosse acontecer.
E sim, se eu pudesse dar mais uma contribuição, é que TODAS as crianças fossem contempladas pelo Projeto Canguru, independente de ter mãe ou pai, ou familiar perto, todas deveriam poder ter esse colo, abrigo, aconchego, afeto, segurança, para enfrentar um futuro melhor.
Falar, talvez essa seja a minha cura!
Ana Cintia Ayres, prematura, voluntária da ONG Prematuridade.com