Depois da pandemia de covid-19, o vírus sincicial respiratório (VSR), principal causador de bronquiolites em crianças pequenas, passou a aparecer também durante o verão. Entenda.
Você tem a sensação de que, depois da pandemia, as crianças ficam doentes com mais frequência? Essa percepção tem certo fundamento. Uma das consequências da covid-19 foi a alteração da sazonalidade de outros vírus respiratórios, como o VSR.
O VSR, ou vírus sincicial respiratório, é o principal agente causador de infecções respiratórias agudas em crianças pequenas, sendo o responsável por 75% dos casos de bronquiolites e 40% das pneumonias nessa faixa etária, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). É um vírus tão comum que praticamente 100% das crianças são acometidas por ele até completarem dois anos de idade.
Velho conhecido dos pais e dos pediatras, sabia-se qual era o padrão do VSR, quem provavelmente desenvolveria quadros mais graves e quando a sua circulação aumentava. No entanto, depois da pandemia, tudo mudou.
Como o VSR se comportava antes da pandemia?
Antes da covid-19, cerca de 40% a 60% das crianças eram infectadas pelo vírus sincicial respiratório ainda no primeiro ano de vida e quase todas antes de chegar ao segundo. A infecção pelo VSR é parecida com a do vírus influenza, causador da gripe. A criança apresenta sintomas de um resfriado, como febre, tosse, espirros, coriza e mal-estar.
Os grupos sob maior risco são os recém-nascidos, especialmente os prematuros. Nesses casos, o perigo da infecção evoluir e atingir as estruturas pulmonares aumenta, o que pode ser fatal. Febre alta, muita tosse e dificuldade para respirar são alguns dos sinais de alerta.
De acordo com Denise Leão, diretora-executiva da ONG Prematuridade.com, essa é uma preocupação constante da iniciativa, que apoia, junto da SBP e da AstraZeneca, campanhas de conscientização como a Bye Bye Bronquiolite. Denise passou pelo susto na pele: seus dois filhos tiveram bronquiolite ainda nos primeiros anos de vida e, mesmo tendo nascido a termo, precisaram de fisioterapia respiratória para se recuperar.
Entre os prematuros, a SBP estima que haja um risco 16 vezes maior de hospitalização em função do agravamento de uma infecção pelo VSR. Isso porque os pulmões são uns dos últimos órgãos a amadurecerem por completo antes do nascimento.
“Imagina quem passa por essa experiência com um bebê prematuro extremo, lutando para sobreviver. Vai para casa e, no primeiro inverno, ele é infectado pelo VSR e desenvolve bronquiolite grave. Precisa ir para o hospital de novo. Reviver essa hospitalização é muito traumático para os pais”, relata a representante da Prematuridade.com.
O dr. Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), conta que, até a pandemia, o VSR tinha épocas de circulação bem definidas: os meses mais chuvosos no Norte e Nordeste do país, e os mais frios no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Ou seja, levando em consideração as diferenças regionais, a sazonalidade do vírus começava entre fevereiro e abril e se estendia pelos três meses seguintes.
“Às vezes, começava um pouquinho mais cedo; às vezes, mais tarde. Às vezes, você tinha uma atividade maior do vírus no ano; às vezes, menor. Mas a gente tinha um razoável conhecimento dessas sazonalidades e periodicidades. E como é um vírus extremamente frequente, as crianças se infectavam logo no começo da vida. Quando chegava em abril, as bronquiolites enchiam os atendimentos naqueles meses esperados”, afirma o infectologista.
Como a pandemia da covid-19 alterou a dinâmica do VSR?
Com as medidas de prevenção à covid-19, a transmissão de outras doenças respiratórias foi reduzida. As crianças estavam em casa ou usando máscaras, o que diminuiu a circulação do VSR e de vírus semelhantes. Porém, o retorno à normalidade levou a uma alta no número de infecções.
“Houve um acúmulo de casos entre as crianças que teriam se expostos aos seis meses, um ano, um ano e meio e dois anos que não se expuseram. Além daquelas que nasceram a partir de 2022 e que também estavam expostas nos dois primeiros anos de vida. Criou-se um boom muito grande de crianças suscetíveis”, explica o dr. Renato.
Entre as crianças nascidas na pandemia, mais um problema: o déficit imunitário. Por conta do isolamento social, elas não puderam estimular a imunidade adequadamente, não só ao VSR, mas a diversos outros vírus. Isso facilitou a circulação desses agentes, levando a mais infecções, inclusive entre pessoas mais velhas.
O resultado foram surtos do vírus sincicial respiratório em pleno verão, fora da época esperada. De acordo com dados do Ministério da Saúde, de janeiro a março de 2023, o VSR foi o causador de 30% dos casos de doenças respiratórias registradas no Brasil. Até então, esses meses tinham pouca circulação do vírus por serem mais quentes.
Das 3,3 mil infecções contabilizadas, 95% atingiram bebês e crianças de até 4 anos. De acordo com o especialista, os casos de infecção pelo vírus sincicial respiratório em crianças maiores de 2 anos foram mais comuns, mas não tão graves. O cenário atípico demonstrou que tanto a idade quanto o primeiro contato com o vírus influenciam na evolução da doença.
“A gente viu que foi um pouco de cada coisa. O fato de ser a primeira infecção importa, e a idade também. Você ter uma primeira infecção aos três anos de idade é melhor do que ter aos três meses de vida. Entre as crianças que não se expuseram, a gente viu muito mais casos de bronquiolite, mas não foi tão grave quanto se fossem bebês menores”, detalha o infectologista.
E como está a circulação do VSR atualmente?
Ainda segundo o especialista, a expectativa é a de que o VSR retome o seu padrão habitual de circulação.
De acordo com o Boletim da InfoGripe, em 2024, a maioria dos estados têm apontado para um interrupção do crescimento ou redução no números de novos registros de internações de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causadas pelo vírus sincicial respiratório. Apenas Acre, Amazonas, Paraná, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe apresentam crescimento a longo prazo, mas, ainda assim, com sinais de desaceleração.
Nas quatro últimas semanas epidemiológicas analisadas pelo documento, a prevalência entre os casos com resultado positivo para vírus respiratórios foi de 56,5% para o VSR, seguido de 24,3% para influenza A, 4,5% para SARS-CoV-2 e 0,5% para influenza B. Entre os óbitos, a presença desses vírus foi de 47,1% para influenza A, 27,6% para SARS-CoV-2, 18,9% para vírus sincicial respiratório e 0,3% para influenza B.
Medidas de prevenção do vírus sincicial respiratório
No entanto, um problema que persiste desde antes da pandemia é a falta de orientação sobre o VSR para os pais. Segundo Denise Leão, é muito frequente que os responsáveis saiam da maternidade sem serem alertados para os perigos desse vírus.
“A gente não deixa de intensificar a nossa comunicação a respeito disso, porque o VSR circula o ano inteiro. A gente sabe que o inverno é quando ele se intensifica. Mas, como ele é super perigoso, especialmente para os prematuros, a gente fala dele o ano inteiro”, destaca a diretora-executiva.
Entre as medidas de prevenção, Denise ressalta aquelas já conhecidas depois da pandemia:
- Higienizar bem as mãos com sabão ou álcool em gel;
- Utilizar máscaras se estiver doente;
- Evitar o contato do bebê com crianças e adultos infectados;
- Evitar ambientes fechados e aglomerações;
- Não fumar perto do bebê;
- Manter a ventilação adequada dos ambientes;
- Atualizar o calendário vacinal tanto da criança quanto de quem convive com ela.
No caso de bebês prematuros, é provável que a família esteja ansiosa para visitá-los depois de passar tanto tempo longe. Mas os pais devem ter cautela, principalmente durante os períodos de maior circulação do VSR, a fim de resguardar a saúde do recém-nascido. Se a mãe ficar doente, ela deve utilizar máscara e manter os cuidados de higiene, mas pode seguir com a amamentação.
Medicamentos e vacinas disponíveis
Em abril de 2024, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, autorizou o registro da Abrysvo, vacina contra o VSR para gestantes. Ou seja, as mães devem ser vacinadas durante a gestação a fim de passar os anticorpos para o bebê. A aplicação será em uma única dose no segundo ou terceiro trimestre da gestação. Ainda não há previsão para a chegada da vacina no SUS.
Há também a perspectiva da chegada do medicamento nirsevimabe. Aprovado pela Anvisa desde outubro de 2023, o anticorpo é aplicado em dose única e possui indicação para:
- Recém-nascidos e bebês lactentes entrando em sua primeira temporada do VSR;
- Crianças de até 24 meses com doença pulmonar crônica da prematuridade (DPC), doença cardíaca congênita hemodinamicamente significativa (DCC), fibrose cística e doenças neuromusculares ou anomalias congênitas das vias aéreas;
- Crianças imunocomprometidas de até 2 anos de idade;
- Crianças com síndrome de Down.
Por outro lado, desde 2013, o SUS já conta com um medicamento que previne as formas graves da infecção pelo VSR: o palivizumabe. O período em que o medicamento fica disponível varia de acordo com a incidência do vírus em cada região, mas a aplicação é em doses mensais de 15mg por quilo de peso por cinco meses. O anticorpo confere proteção contra o vírus e é indicado para:
- Recém-nascidos com menos de 29 semanas de idade gestacional no primeiro ano de vida;
- Bebês nascidos entre 29 e 32 semanas, até o sexto mês;
- Pessoas com doenças cardíacas e pulmonares nos dois primeiros anos de vida, independentemente da idade gestacional
“É importante dizer que o palivizumabe pode e deve ser aplicado mesmo com o bebê ainda internado na UTI Neonatal, se for a época. Se esse bebê entra nos critérios de aplicação, se for a época de sazonalidade do vírus e se ele tiver clinicamente estável, obviamente avaliado pela equipe, ele pode e deve receber essa proteção ainda internado. Isso faz toda a diferença. Pode determinar vida ou morte para o bebê prematuro”, lembra Denise.
Verifique se a criança faz parte do grupo de risco e acompanhe o calendário de aplicação do medicamento na Unidade Básica de Saúde mais perto de você.
Fonte: Uol