A prevalência do aleitamento materno cruzado entre mães de crianças menores de 2 anos foi de 21,1% no Brasil, indica o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI)
O aleitamento materno cruzado ainda é uma prática com presença significativa na vida das mulheres. A prevalência entre mães de crianças menores de 2 anos foi de 21,1% no Brasil. Isso quer dizer que uma em cada cinco mães amamentou o filho de outra pessoa ou deixou seu bebê ser amamentado por outra mulher. O dado faz parte do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI-2019), que divulgou novos números na última quarta-feira (10).
É a primeira vez que uma pesquisa de representatividade nacional aborda a chamada amamentação cruzada, então, ainda não temos dados de outros anos para fazer a comparação, no entanto, o número chamou a atenção, já que a prática é contraindicada pelo Ministério da Saúde, devido ao risco de transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). A frequência maior de aleitamento materno cruzado está na região Norte (34,8%), seguida das regiões Sudeste (21,3%), Nordeste (20,3%), Centro-Oeste (18,7%) e Sul (12,5%).
O pediatra Moises Chencinski, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica que a amamentação cruzada não é recomendada. "Apesar de o Brasil ter vivenciado por muito tempo a cultura da ama de leite, de ser uma prática ocasional, desde o advento da aids, por conta do risco de transmissão vertical (da mãe para o bebê através do leite materno), o Ministério da Saúde estabeleceu, em 1996, a contraindicação da amamentação cruzada", lembra o médico. Além do HIV (vírus da aids), há também chances de transmissão do HTLV, vírus que afeta as células de defesa das pessoas.
Ao contrário da amamentação cruzada, a prática de doação de leite para bancos de leite humano (BLH) não é tão adotada pelas mulheres. Apenas 4,8% das mães de crianças com menos de 2 anos de idade aderiram à prática e 3,6% das crianças nessa faixa etária receberam leite humano ordenhado pasteurizado de BLH.
É importante ressaltar que a amamentação cruzada é diferente do processo de doação de leite. Quando uma mãe quer ser doadora, ela entra em contato com um banco de leite e precisa preencher alguns critérios como: estar amamentando ou extraindo leite para seu próprio filho, ser saudável, apresentar exames compatíveis, não fumar mais de 10 cigarros ao dia, não usar medicamentos incompatíveis com a amamentação, não usar álcool ou drogas ilícitas e realizar exames (Hemograma completo, VDRL, anti-HIV) quando o cartão de pré-natal não estiver disponível ou ela não tiver realizado pré-natal.
"Além disso, o leite doado passa por verificações desde a coleta e o transporte dele tem que ser adequado", explica o médico. Segundo o especialista, é preciso verificar se a embalagem (vidro com tampa plástica) está adequada e foi esterilizada. Uma análise técnica é feita para avaliar as características do leite (sujidades, cor, entre outros). Ele também é pasteurizado, seguindo recomendações com análise microbiológica.
Como doar
Toda mulher que amamenta é considerada uma possível doadora de leite humano – basta estar saudável e não tomar nenhum medicamento que interfira no processo. Quem estiver amamentando e quiser doar deve procurar o banco de leite mais próximo. A lista completa pode ser consultada no site.
Antes de fazer a ordenha, a mama deve ser lavada apenas com água e, sem seguida, seca com uma toalha limpa. Para evitar a contaminação, as doadoras devem tomar o cuidado de cobrir os cabelos com um lenço ou usar uma touca. O leite deve ser coletado em local limpo e tranquilo, e pode ficar no freezer ou no congelador da geladeira por até 10 dias. Nesse período, deve ser levado até o Banco de Leite mais próximo da sua casa. Se preferir, você também pode ligar para o Disque Saúde no 136.
Aleitamento exclusivo
O estudo também traz boas notícias quanto ao aleitamento materno exclusivo (AME). Sua prevalência entre crianças menores de 4 meses foi de 59,7% no Brasil. A região Centro-Oeste apresentou a maior taxa (64,1%), seguida das regiões Sudeste (61,3%) e Sul (60,3%). As regiões Norte (55,8%) e Nordeste (57,3%) apresentaram os menores números. "As prevalências de aleitamento materno são expressivas. Observamos o aumento de mais de 12 vezes da prevalência de amamentação exclusiva entre crianças menores de quatro meses, em relação a 1986", disse Gilberto Kac, que é professor titular do Instituto de Nutrição Josué de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Outro dado importante é com relação ao aleitamento materno exclusivo entre os menores de 6 meses. A prevalência de AME nessa faixa etária foi de 45,8% no país. A maior taxa foi observada na região Sul (54,3%), seguida das regiões Sudeste (49,1%) e Centro-Oeste (46,5%).
É importante ressaltar também que, felizmente, as campanhas em prol da amamentação têm tido efeito positivo. O estudo mostra que a prevalência de crianças menores de 2 anos alguma vez amamentadas foi de 96,2% no Brasil, sendo que dois em cada três bebês são amamentados ainda na primeira hora de vida (62,4%). Vale lembrar que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês do bebê. Após esse período, é possível amamentar associando uma alimentação saudável até 2 anos ou mais.
Para Kac, apesar dos números positivos, ainda temos que evoluir mais. "Estamos distantes das metas da OMS para 2030: 70% [de amamentação] na primeira hora de vida, 70% nos primeiros seis meses, de forma exclusiva, 80% no primeiro ano e 60% aos dois anos de vida. No Brasil, chegamos a 62,4% de amamentação na primeira hora de vida, 45,8% de aleitamento exclusivo nos primeiros seis meses, 52,1% aos 12 meses e 35,5% aos 24 meses de vida", ressalta o professor. Ele acrescentou, ainda, como os bicos podem afetar a amamentação: "Percebemos que metade das crianças brasileiras de até dois anos usa mamadeiras, chuquinhas e chupetas, o que pode prejudicar a continuidade do aleitamento materno".
Segundo Chencinski, toda amamentação deve ser celebrada. "Cada criança que mama por um dia a mais traz benefícios inestimáveis à sua saúde, à saúde de sua mãe, da sociedade e do planeta", diz o médico. No entanto, ainda é preciso de mais políticas de incentivo à amamentação. "Os dados do ENANI nos mostram a diversidade de vários “Brasis” em um mesmo território, diferenciado por classes socioeconômicas, características raciais, geográficas, que requerem estratégias amplas e abrangentes e políticas públicas que tragam equidade a todos. A OMS estabelece metas para 2030 em termos de aleitamento materno que trarão grandes desafios".
Fonte: Crescer